Acionista minoritário que move ações judiciais contra a própria companhia está exercendo seu regular direito de petição, com amparo do artigo 109, inciso III, parágrafo 2º, da Lei das Sociedades Anônimas (6.404/1976). Ou seja, o dispositivo diz que o estatuto social e a assembleia geral não têm o poder de impedi-lo de fiscalizar a gestão dos negócios, nem de negar-lhe os meios que lhe assegurem este direito.
Com este entendimento, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve decisão que impede a Calçados Beira-Rio de convocar Assembleia Geral Extraordinária para excluir do seu quadro de acionistas o empresário Alexandre Grendene Bartelle — detentor de 12% das ações. A empresa quer a exclusão porque Grendene entrou com ações judiciais contra os atos que selaram a transferência de um terço das suas ações para uma fundação educacional.
O relator do Agravo de Instrumento, desembargador Ney Wiedemann Neto, afirmou no acórdão que as motivações para Grendene mover ações contra a Beira-Rio e seus administradores não lhe parecem levianas, nem espúrias.
Citou, como exemplo, ementa de um acórdão a respeito da briga. "O acionista controlador [Roberto Argenta, presidente da Calçados Beira Rio]votou e aprovou suas próprias contas, inclusive a doação de ações da companhia, incluindo aquelas que, porque estavam em tesouraria, eram de propriedade, proporcionalmente, também do agravado [Grendene]. Trata-se de infração ao disposto no art. 154, § 2º, 'a', da Lei n. 6.404/1976, vedada ao administrador a prática de atos de liberalidade à custa da companhia, no que a doação de ações nos termos em que se realizou pode ser enquadrada".
Para Wiedemann, considerando as informações que traz o processo, o agir de Grendene não é atentatório contra a companhia, já que existem fortes indícios de prática de atos ilícitos e de abuso de poder e de posição por parte do acionista controlador. "Seria um verdadeiro atentado permitir a sua expulsão da companhia neste momento, por pretexto espúrio e desejo de vingança e retaliação do acionista controlador, que é Roberto Argenta", afirmou o relator, negando seguimento ao Agravo. O acórdão foi lavrado na sessão de 20 de novembro.
O caso
O empresário do ramo calçadista Alexandre Grendene Bartelle ingressou com Ação Anulatória de Ato de Sociedade Anônima contra a Calçados Beira-Rio, sediada em Novo Hamburgo (região metropolitana de Porto Alegre), com objetivo de desconstituir os efeitos da Assembleia Geral Extraordinária marcada para 8 de setembro de 2014.
A reunião, convocada pelo presidente da empresa, Roberto Argenta, tinha o propósito de excluir Grendene da companhia, onde detém 12% das cotas. O argumento: ‘‘exercício abusivo de ação judicial e a criação de distúrbios assembleares’’. A ideia era pagar-lhe o preço das ações pelo valor de balanço, em 60 prestações mensais.
Todo o imbróglio teve início quando os administradores da Beira-Rio cederam cerca de um terço do seu capital social para a Fundação Antonio Meneghetti — sediada em São João do Polêsine (RS), presidida pelo próprio acionista controlador, Roberto Argenta. A instituição tem por objetivo social estudar a ontopsicologia ( análise da atividade psíquica do homem).
Tal cessão desagradou Grendene, pois não respeitou o direito de preferência dos demais acionistas. Por isso, foi à Justiça para ter acesso a toda documentação que transferiu as ações para a fundação, em assembleia geral ordinária no dia 22 de abril de 2014. A Justiça suspendeu os efeitos desta assembleia.
Em decisão liminar do dia 29 de agosto, a juíza Rosana Broglio Garbin, da 18ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, atendeu o pedido de Grendene, entendendo que o fundamento utilizado para a sua exclusão do não tem sustentação legal.
Para a juíza, o artigo 1.085 do Código Civil, que prevê a exclusão por justa causa, diz respeito às sociedades limitadas, e não anônimas, em que a relação entre sócios é diferenciada ."De toda sorte, ainda que se considere a possibilidade de utilização, por analogia, de tal disposição para as sociedades anônimas, no permissivo do artigo 1.089 do CC, necessário seria a previsão estatutária, que não há, como se pode ver pelo Estatuto Social da ré", escreveu no despacho.
Observou ainda que os motivos elencados para justificar a justa causa dizem respeito à oposição do autor a decisões da diretoria, o que está diretamente ligado ao ingresso da ação anulatória da assembleia anterior, em face de suspeitas de irregularidades e ilegalidades. "Havendo as referidas ilegalidades, o que vem acenado pelo deferimento da liminar naqueles autos, quem estaria a praticar atos atentatórios à companhia e a causar-lhe danos seria a própria diretoria administrativa", anotou.
Por fim, a julgadora deu ciência à empresa de que nenhuma ata, com a finalidade de convocar a exclusão do acionista minoritário, surtirá efeitos legais. Afinal, até este momento processual, o autor exerceu seu regular direito de ação, o que afasta a justa causa para sua exclusão da sociedade.
Clique aqui para ler o acórdão.
Fonte: Conjur
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