Um gari de Santos, no litoral de São Paulo, virou advogado depois de anos de estudos e contratempos para pagar a faculdade. Ele trocou o uniforme laranja e a vassoura de gari pelo terno, a gravata e a pilha de processos de um advogado. Ele saiu da rotina de limpar as ruas santistas para marcar presença nos tribunais. Hoje, aos 27 anos, o ex-gari agradece por ter trabalhado nas ruas que, segundo ele, trouxeram muitos ensinamentos de vida.
Após completar 18 anos, Danilo Paixão foi selecionado para servir ao Exército Brasileiro, mas pediu dispensa. O jovem tinha acabado de receber a notícia de que a namorada estava grávida e, além disso, precisava pagar a faculdade de Direito que já estava cursando. Por isso, foi procurar emprego e encontrou algumas dificuldades. “Para receber a carteira de reservista demorou quase um ano e nenhuma empresa me contratou por conta disso”, conta.
O jovem passou a encarar a vida de gari todos os dias. Ele fazia parte da equipe de raspação da orla de Santos. Nos dias de semana, Danilo retirava o excesso de areia no jardim da cidade. Já nos finais de semana, ele passava a limpar a beira do mar, recolhia o lixo em toda a faixa de areia e colocava nos caminhões da empresa. “Tinha fins de semana que eu entrava às 9h e saia às 23h. Tudo por causa da temporada. Estava de pé no dia seguinte às 6h”, diz.Danilo conseguiu uma vaga como auxiliar de pedreiro na Zona Noroeste. “Depois de quase um ano, eu recebi a carteira de reservista e fui procurar outro emprego”, explica. Nessa época, a filha de Danilo nasceu e o pai dele faleceu. Por isso, ele tinha que ajudar ainda mais a família. “Ai que a coisa apertou mesmo. Eu falei para a minha mãe tentar arranjar alguma coisa para mim”, conta. Ele enviou o currículo e foi chamado para trabalhar na Terracom, a empresa que faz a limpeza da cidade de Santos.
Apesar de o trabalho ser desgastante, o que mais marcou Danilo, em dois anos como gari foi a amizade entre os colegas de trabalho. Como sempre realizava o serviço com a mesma equipe, ele conhecia bem o jeito de cada um e até os sonhos dos garis em ter uma vida diferente. Compartilhar as tristezas e as vitórias era comum entre eles. “Era um trabalho físico, braçal mesmo. Mas, o contato humano que a gente tinha, a nossa amizade, é uma coisa que dificilmente você encontra. Quando um estava passando aperto, o outro ajudava, até financeiramente”, revela.
Entre um turno e outro, ele estudava e continuava frequentando a faculdade de Direito. Nas horas vagas, ele saia pelas ruas de Santos entregando currículos em escritórios de advocacia, na esperança de entrar em um novo mercado de trabalho.
Em uma manhã, antes de sair de férias, Danilo conheceu um vereador de Santos. Ele disse ao político que gostaria de ter a oportunidade de fazer um estágio na área de Direito e o vereador afirmou que conseguiria uma vaga na Prodesan – Progresso e Desenvolvimento de Santos. “Eu comecei a fazer o estágio na Prodesan. Foi quando eu comecei realmente a entender o Direito”, comenta. Assim, ele deixou a função de gari para dar o primeiro passo para se tornar um advogado.
Pouco depois de se formar, Danilo passou no exame da OAB e começou a atuar em escritórios junto com amigos. Desta forma, Danilo foi se aprimorando na carreira até chegar ao departamento jurídico terceirizado da Caixa Econômica Federal, em Santos, onde trabalha atualmente. “Ações de reintegração de posse, de cobrança. Fazemos a área trabalhista também”, comenta ele sobre a função.
Danilo consegue enxergar que todo o sacrifício para pagar a faculdade de Direito, conciliando os estudos e o trabalho, valeu a pena. Hoje, a rotina dele de advogado é acelerada e corrida tanto como a vida de gari. “Esse serviço é tão extenuante quanto o trabalho de gari. Lá, eu tinha todo o trabalho físico, mas não tinha muito o trabalho mental. Eu saia do serviço e ficava tranquilo. O corpo estava cansado, mas a mente não. Mas, aqui, por mais que você saia sempre fica pensando no serviço. O trabalho mental, às vezes, é tão cansativo como o físico”, fala.
A diferença é que, como advogado, ele tem melhores condições financeiras e consegue dar mais qualidade de vida para a família. Porém, como advogado ele não teria a oportunidade de ver a vida de outra forma. O jovem conta que passou a valorizar vários tipos de trabalho físico e que são considerados ‘invisíveis’, pela maioria da sociedade. “Eu sempre dei valor para esse serviço porque minha mãe trabalhou lá (Terracom) e meu pai era caminhoneiro. Sempre foram trabalhos braçais para eles. Eu me lembro pequenininho na praia e minha mãe passando trabalhando. Na época, ela trabalhava como gari. Depois ela passou a ser fiscal”, conta ele.
Danilo conta que adquiriu experiência de vida como gari, o que foi fundamental para o seu sucesso atualmente. “Eu não iria conseguir me formar e passar no exame da OAB, por exemplo, se lá atrás eu não tivesse aceitado trabalhar como gari. Eu não teria tido essa experiência de vida que me fez crescer, eu não teria tido a oportunidade de fazer o estágio. Então, eu vejo que uma coisa levou a outra para que eu conseguisse estar aqui nessa situação, que eu vejo que tem muita gente que gostaria de estar. Eu dou valor a esse passado, a essa trajetória”, afirma.
Fonte: G1
Nenhum comentário:
Postar um comentário