Os membros do Ministério Público podem divulgar à imprensa a abertura de procedimento administrativo contra funcionário público. Além de exercício legal de um direito assegurado pela Constituição, tal conduta, por si só, não embasa reparação por dano moral, já que não lesa a honra do investigado.
Com esse entendimento unânime, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Regiãoconfirmou integralmente sentença que negou pedido de indenização de um delegado da Polícia Federal do Paraná. Ele ajuizou ação de reparação moral contra a União depois que o Ministério Público Federal reuniu a imprensa para anunciar abertura de procedimento para investigar suas supostas ligações com o doleiro Alberto Youssef.
Nos dois graus de jurisdição, ficou claro que a nota emitida pela Procuradoria da República em Londrina (PR) se baseou em fatos que não estavam revestidos de caráter sigiloso, além da comunicação ter sido feita de forma objetiva. Ademais, a divulgação está amparada nos dispositivos constitucionais que garantem a liberdade de imprensa.
‘‘A nota não faz destaques injuriosos, difamatórios ou caluniosos, mas apenas informa providências a serem adotadas por conta da constatação do pagamento de diárias por Alberto Youssef ao autor, situação reputada de interesse público, notadamente por conta dos princípios a que se encontram vinculados os servidores públicos’’, escreveu, na sentença, o juiz Gilson Luiz Inácio, da 4ª Vara Federal de Londrina.
Conforme o julgador, é natural que um servidor público, que se comprometeu a defender a sociedade do crime, sujeite-se a uma maior exposição, justamente porque decorre da atividade que exerce. Assim, tem de suportar certas situações, que não recairiam sobre os ombros de quem, como homem comum, não detém essa qualidade.
‘‘O detentor de função pública não pode se melindrar facilmente, pelo menos é o que dele se espera, com críticas e divulgação de fatos referentes à sua atuação, por mais desagradáveis que possam ser, desde que, repita-se, não alcance contornos criminosos (injúria, difamação ou calúnia) ou ofensas gratuitas, sem amparo em fatos comprovados’’, justificou. O acórdão foi lavrado na sessão de 9 de abril.
O caso
Conforme narra o autor, tudo começou em 2000, quando o procurador da República Celso Três, então lotado na cidade de Cascavel (PR), encaminhou para várias delegacias da Polícia Federal do país a relação de empresas que faziam remessa de dinheiro para o exterior, valendo-se de contas CC5. Estas contas, criadas pelo Banco Centra do Brasil por meio da Carta Circular número 5, em 1969, são voltadas a brasileiros residentes fora do país, empresas exportadoras e financeiras com vínculo no exterior.
Em novembro do mesmo, atuando em Londrina, norte do Paraná, o autor recebeu alguns inquéritos que apuravam irregularidades nesse procedimento, redistribuídos de outras delegacias. Em dois deles, aparecia como indiciado o doleiro Alberto Youssef, dono da empresa Youssef Câmbio e Turismo.
Posteriormente, em fevereiro de 2003, tomou conhecimento de que a empresa do doleiro tinha um documento mostrando o pagamento de faturas num hotel de Londrina, no ano de 1997, nominal a sua pessoa. Nesse ano, atuava em Foz do Iguaçu, na Tríplice Fronteira.
Precisamente em 27 de fevereiro, tentou, sem sucesso, falar pessoalmente com o procurador da República Mário Ferreira Leite, em Londrina, para explicar o fato. Seu objetivo era, no dia seguinte, levar toda a documentação à Procuradoria, a fim de dirimir qualquer suspeita de ilegalidade, evitando que o caso viesse a público de forma distorcida.
No dia seguinte, para seu espanto, viu a Folha de Londrina, um dos maiores jornais do estado, noticiar que o procurador havia solicitado abertura de inquérito na Polícia Federal para verificar sua suposta obtenção de benefícios em relação ao indiciado. ‘‘Pedimos a abertura do inquérito para apurar responsabilidade penal e estamos abrindo procedimento administrativo para apurar improbidade, se houve algum favorecimento, vantagem e vamos verificar a evolução patrimonial do delegado’’, afirmou Leite ao jornal.
A mesma matéria trouxe explicações do autor: ‘‘Falei que ia levar toda documentação para ele. Teve uma festa em Londrina e essa pessoa que me convidou pediu para o Youssef que pagasse e que o ressarciria depois. Tenho documentos e testemunho dessa pessoa’’, justificou.
Segundo se depreende da sentença, o delegado-autor estava se referindo à festa árabe em que participou junto com a esposa e filhos, a convite de Farage Khoury. No retorno, ao encerrar sua conta no hotel, foi informado que esta já havia sido quitada pelo anfitrião. Posteriormente, o autor ressarciu Farage do valor desembolsado.
Inconformado com a divulgação pública da instauração de procedimento administrativo, o autor ajuizou Ação de Reparação Moral contra a União. Afinal, a seu ver, o procurador não poderia ter ‘‘convocado’’ a imprensa para narrar fatos ofensivos da forma como o fez, pois tal conduta maculou sua honra e boa imagem.
Na contestação, o procurador do Ministério Público Federal disse que sua ação se pautou pelo exercício regular de direito. Explicou que o fato de ter comunicado à imprensa não traduz qualquer violação a dado que pudesse estar ao abrigo do sigilo constitucional. Ainda: informar à sociedade sobre determinada investigação não tem o poder de lesar a honra de ninguém.
No transcurso do processo, o procurador foi excluído da lide, permanecendo a União como parte passiva.
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Fonte: Conjur
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