segunda-feira, 3 de março de 2014

Vida de prostitutas melhoraria com regulamentação, diz Jean Wyllys

PL de deputado do PSOL legaliza casas de prostituição e cafetões e garante aposentadoria após 25 anos de contribuição



Para juristas e representantes de organizações de prostitutas, a aprovação de uma lei regulamentando a profissão, melhoraria as condições de vida das profissionais do sexo e beneficiaria seus clientes. Autor do PL (Projeto de Lei) 4.211/2012, denominado “Lei Gabriela Leite”, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) vai além. Segundo ele, uma legislação específica que trouxesse direitos e garantias aos trabalhadores sexuais seria uma medida de combate à desigualdade social.
Foto: Reprodução
Garantir direitos aos trabalhadores sexuais seria uma medida de combate à desigualdade social
“Essa discussão está alinhada com a defesa dos direitos humanos, da cidadania e a redução dos estigmas de segmentos discriminados e marginalizados, entre eles, as pessoas que exercem a prostituição”, defende Wyllys.
A prostituição em si não é ilegal no Brasil. Uma pessoa que presta serviços sexuais mediante pagamento não pode ser punida. O que é crime é o favorecimento do sexo de terceiros. Como explica Guilherme Nucci, professor de Direito Penal da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e autor de “Prostituição, lenocínio e tráfico de pessoas – aspectos constitucionais e penais” (Editora Revista dos Tribunais), “o que o Código Penal considera crime é o lenocínio, que é a intermediação da prostituição, com ou sem lucro, mesmo que seja gratuita, não tenha violência, grave ameaça ou fraude, mesmo que seja de acordo com os interesses da prostituta e do cliente”. O conceito enquadra os cafetões, os intermediários e os donos de casas de prostituição.
O projeto de Jean Wyllys regulamenta a prostituição com o objetivo de garantir os direitos dos trabalhadores do sexo e distinguir o exercício regular e voluntário da profissão e a exploração sexual. Além disso, a proposta visa possibilitar que o Estado proteja crianças e adolescentes e fiscalize os abusos decorrentes do aumento da procura pelo sexo pago. Assim, o PL 4.211/2012 veda a prática de exploração sexual, e define as suas espécies como “apropriação total ou maior que 50% do rendimento de prestação de serviço sexual por terceiro; o não pagamento pelo serviço sexual contratado; forçar alguém a praticar prostituição mediante grave ameaça ou violência”.
Cafetões
A proposta modifica os artigos 228, 229, 230, 231 e 231-A do Código Penal, e legaliza as casas de prostituição e a atuação dos cafetões. Na opinião de Roberto Domingues, presidente da ONG (Organização Não Governamental) Davida, fundada pela ex-prostituta e ativista Gabriela Leite para defender os direitos das profissionais do sexo, “as casas de prostituição equivalem às fábricas, empresas e demais estabelecimentos comerciais existentes em nossa sociedade. Em outras palavras, são locais de trabalho para essas mulheres. Permanecer com o seu status de ilegalidade empurra as prostitutas para as franjas da legalidade, impondo a elas uma clandestinidade inadmissível”.
Para Wyllys, a ilegalidade das casas de prostituição permite abusos de cafetões e da polícia. Segundo ele, deixando de ser crime as casas terão que se enquadrar nas normas nacionais, estaduais e municipais que regulam as condições do ambiente de trabalho, com relação a higiene, controle sanitário, infraestrutura, segurança, saúde etc.
Quanto aos cafetões, os entrevistados pelo Última Instância são unânimes em defender sua atividade, que seria semelhante a de um agente de modelos ou de jogadores de futebol. Esse profissional forneceria as condições básicas para o trabalhador do sexo exercer sua função, tais como oferecer um local para a prática dos atos, pagar contas, fazer intermediação com clientes, entre outras medidas, em troca de um percentual dos lucros. A Lei Gabriela Leite, porém, estabelece um limite para a divisão de valores. Conforme o artigo 2º, parágrafo único, I, do texto, o cafetão (ou agente) não poderá reter mais de 50% do dinheiro obtido com a prostituição de terceiro, sob pena de configuração de exploração sexual.
A proposta também permite às prostitutas se organizarem em cooperativas. Atualmente, a associação para prostituição é crime, impedindo essa forma de cooperação. Para Jean Wyllys, “esse ponto é importante porque aumenta as possibilidades delas decidirem quando trabalham, em quais horários, quais clientes aceitam atender e quais não, o que fazem e o que não fazem e quanto cobram pelo serviço, aumentando sua autonomia”.
Direitos
A Lei Gabriela Leite ainda torna juridicamente exigível o pagamento pela prestação de serviços sexuais de quem os contrata. Embora a prostituição não seja crime, ela pode ser considerada ilegal, porque o Código Civil, em seu artigo 187, determina que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”, impedindo a cobrança das atividades. Essa contradição legal é atacada por Nucci. “Você contrata o serviço de um(a) profissional de prostituição, e se você não pagar, ele não pode fazer nada, não pode chamar a polícia, entrar no Judiciário, porque o contrato é ilegal porque ofende os bons costumes. É preciso acabar com essa hipocrisia também”, explica.
Embora não seja regulamentada, a prostituição é reconhecida como profissão na Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho. A inclusão na lista possibilita que sejam recolhidas contribuições previdenciárias. A inovação do PL 4.211/2012 é assegurar ao profissional do sexo a aposentadoria especial de 25 anos de contribuição (a regra geral é de 35 anos para homens e 30 para mulheres), nos termos do artigo 57 da Lei 8.213/1991, garantida a quem tiver trabalhado em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
Assistência estatal
Há países, como a Suécia, onde o Estado fornece assistência social àqueles que queiram deixar a prostituição. Nesse auxílio, se encontram medidas como acompanhamento psicológico, ensino e inserção no mercado de trabalho. O professor Nucci é defensor dessas ações: “O Estado tem a obrigação, pelo princípio da dignidade humana, de, legalizando a prostituição, oferecer maneiras de as pessoas que quiserem sair dela”.
Contudo, Roberto Domingues e a Davida discordam do entendimento do especialista. “Pensar que deveríamos ofertar a estas mulheres formas de capacitação para o exercício de outras profissões, sugere bem mais que essas mulheres não gostem sua atividade. Indica que elas não têm, de fato, uma profissão e que deveríamos garantir meios e recursos para que isso ocorresse”, critica Domingues. Para o presidente da ONG, cabe ao Estado criar condições favoráveis para que sujeitos possam se autodeterminar, inclusive quanto a sua profissão. “Mas se pensarmos em estratégias em separado corremos o risco de propor uma segregação, que manteria sujeitos com status de cidadãos de segunda categoria e, pior, mascararia uma ação, fundada na discriminação irrefletida, partindo-se da pressuposição de que existem  profissões  mais digna do que outras”, completa.
França criminaliza clientes
Em dezembro de 2013, deputados franceses aprovaram uma lei que criminaliza os clientes de prostitutas. De acordo com o texto, que ainda precisa passar pelo Senado, quem for pego contratando serviços sexuais receberá multa de 1,5 mil euros. Em caso de reincidência, o valor sobe para 2,750 mil euros. Na visão de Wyllys, se trata de um retrocesso. Já Roberto Domingues acredita que norma interfere na vida privada dos cidadãos e mantém a atividade na clandestinidade.
Na mesma linha, Nucci afirma não haver sentido punir o cliente que busca sexo de forma consensual e paga, e vai além: “No fundo, a prostituição é matéria de utilidade pública. Ela serve para quem precisa de sexo, mas não consegue de graça (como os tímidos, feios, deficientes etc.) ou não quer exposição (como os comprometidos)”.
Segundo Domingues, as prostitutas exercem um papel fundamental ao alargar os limites do que sejam sexualidade, prazer e desejo. “Ao se colocarem na esfera pública como iguais em direitos, elas [as prostitutas] alteram o campo de força social, impondo uma transformação no poder vigente, o que representa um avanço democrático”, conclui.
Fonte: Última Instância

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