quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Barroso diz que Justiça é seletiva e julga de acordo com classe social do réu


O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou, nesta quarta-feira ao proferir seu voto sobre os segundos recursos de declaração do mensalão que a Justiça toma decisões de forma seletiva, dependendo da classe social do réu. Comparando com o sistema de castas, Barroso citou que muitos são condenados por porte de maconha, enquanto estão soltos responsáveis por grandes crimes.

- Temos milhares de condenados por pequenas quantidades de maconha, e pouquíssimos condenados por golpes imensos na praça. Para ir preso no Brasil, é preciso ser muito pobre e muito mal defendido. O sistema é seletivo, é um sistema de classe. Quase um sistema de castas - afirmou.

Ao final do voto, o ministro - que foi favorável ao cumprimento imediato das penas - defendeu que os condenados que comecem a cumprir a pena antes terão vantagens na progressão de pena.
Veja a íntegra do voto do ministro:

“Este processo, esta Ação Penal 470, pode ter, ao menos a médio prazo, um impacto salutar sobre como como se faz política no Brasil e sobre o modo como se pratica o direito penal no país.

No tocante à política, os fatos se apressaram em confirmar o que eu disse no primeiro dia de julgamento dos embargos de declaração: a corrupção não tem partidos e é um mal em si. Nesses poucos meses, explodiram escândalos em um Ministério, em um importante Estado da Federação e em uma importante Prefeitura Municipal. A mistura é a de sempre: uma fatia para o bolso e outra para o financiamento eleitoral.

Não saímos do lugar na matéria. Mas a necessidade de reforma é uma ideia vitoriosa. As ideias, infelizmente, levam um tempo relativamente longo desde que conquistam corações e mentes até se concretizarem na realidade. Mas já sabemos qual é a direção certa. E a direção certa é mais importante do que a velocidade.

No tocante ao direito penal, este processo também pode se transformar em um momento de reflexão. É uma área em que o Direito brasileiro está desarrumado, tanto do ponto de vista filosófico quanto normativo. Quanto de direito penal? Para quem o direito penal?

Temos milhares de condenados por pequenas quantidades de maconha, e pouquíssimos condenados por golpes imensos na praça. Para ir preso no Brasil, é preciso ser muito pobre e muito mal defendido. O sistema é seletivo, é um sistema de classe. Quase um sistema de castas.

Eu nem sou um defensor entusiasmado da prisão. Até pelo contrário. Mas a desigualdade, também em matéria penal, é uma marca lastimável do país.

A propósito do direito penal e do processo penal, precisamos desfazer duas mistificações. A primeira, a de que garantismo tem a ver com impunidade. Garantismo significa respeito ao direito de defesa e ao advogado. Significa não permitir regimes de exceção em função do freguês do sistema. Mas, uma vez respeitados o direito de defesa, se a punição se impuser, ela deve ser aplicada. O direito penal desempenha uma função social importante de prevenção geral da criminalidade. Seu papel é menos retributivo e mais o de desestimular novos atos criminosos.

A segunda mistificação é a de que devido processo legal é o que não termina. Devido processo legal é o que se move pelas regras do jogo. E o jogo um dia chega ao fim. Não existe, em parte alguma do mundo, direito ilimitado de recorrer. Um dia o processo acaba e a decisão precisa ser cumprida. Penso que, em relação a este processo, este dia chegou.

Pessoalmente, não tenho alegria em condenar ninguém. Muito menos em mandar pessoas para a cadeia. Mas cumpro o meu dever como ele se impõe.

Com essas considerações, considero que o julgamento dos réus e o julgamento de dois embargos de declaração admitem a certificação do trânsito em julgado para o exercício da pretensão executória e, consequentemente, para a execução das penas fixadas pelo Tribunal.

Por fim, e pelas mesmas razões, considero que mesmo os réus que apresentaram embargos infringentes devem iniciar o cumprimento da pena referente a condenações insuscetíveis de rediscussão naquela via. O direito penal deve ser usado com parcimônia – pela intensidade das restrições que ocasiona –, mas também de forma séria e não seletiva. Havendo condenações definitivas, não verifico fundamento legítimo que justifique o retardamento na sua execução.

Registro, por fim, que considero que o início imediato do cumprimento da pena não é em si um ônus. É claro que alguém poderia preferir adiar isso para mais à frente. Mas, na prática, vai cumprir de todo modo. E há uma vantagem no tocante à progressão de regime. É que quem começar a cumprir a pena agora, em regime semiaberto, por exemplo, e ao final, após os embargos infringentes, vier a ser condenado a regime fechado, poderá computar o tempo já cumprido para fins do cálculo da progressão de regime. Isso, em última análise, pode significar menos tempo em regime fechado.”

Fonte: O Globo

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