Na noite de quinta (16), o amendoim correu farto no bar do Zé Ladrão. O português de 74 anos que dá apelido ao boteco comemorava a volta do papagaio Fred, sua estimação de 24 anos que, sem licença do Ibama, fora apreendida pela Polícia Ambiental 17 dias antes, após denúncia anônima.
A Justiça determinou a devolução do animal ao dono, que foi retirá-lo na manhã daquele mesmo dia. "Às 8h eu já estava lá. A alegria é muita", conta o português e atual "fiel depositário" do psitaciforme. Cabe recurso à decisão.
Durante esse tempo a ave ficou alojada no Centro de Recuperação de Animais Silvestres, no Parque Ecológico do Tietê, na divisa com Guarulhos.
Lá o bicho passaria por um processo de reabilitação dos instintos selvagens até sua possível soltura em área de proteção. Outros cem papagaios passam por esse trabalho no local, além de araras, tucanos e outros animais.
A sãopaulo visitou o centro na tarde da quinta, guiada pela veterinária e coordenadora Liliane Milanelo, 41. Logo na porta de entrada estava um papagaio recém-apreendido em São Miguel Paulista, na zona leste.
"Assim que entram eles são identificados e examinados. Se diagnosticados com problemas sérios, seguem para tratamento. Se não, vão para os viveiros em que começamos os trabalhos de pareamento e reinserção", explica.
Lá há um corredor com viveiros, uma área gramada (onde convivem jabutis e um veado) e cozinha (com tabelas de dietas semanais dos diferentes animais ali tratados). Na enfermaria, estômagos fracos não têm vez.
A duração do tratamento varia, dependendo da resposta aos estímulos. Animais cativos por longos períodos também podem ser readaptados, explica a veterinária.
A percentagem de sucesso e soltura é, de acordo com Milanelo, de 60% a 70% dos casos, e 25% vêm a óbito. "No último mês, devolvemos à natureza um lote de 200 aves [em Mato Grosso, onde o papagaio é uma espécie endêmica]", conta.
Ela lembra que o centro recebe cerca de 600 papagaios por ano, boa parte domésticos. "Nós entendemos o lado dos donos, que se apegam e acreditam estarem fazendo bem aos animais –e muitas vezes os tratam bem. Mas às vezes os alimentam só com sementes de girassol, por exemplo. Numa comparação grosseira, isso é como o chocolate para eles", explica. "E animais falando palavrões? É degradante para o bicho."
Sobre a liberação de Fred horas antes, ela foi enfática. "Acho um desserviço com o nosso trabalho e o de instituições de fiscalização. Mantê-los em cativeiro é financiar o tráfico."
A lei diz que manter em cativeiro espécimes silvestres sem licença é crime, com pena prevista de multa e detenção de até um ano.
O Ibama não regulariza bichos sem certificado de origem legal, e entregas voluntárias evitam sanções. No caso do Fred, dado o bom estado da ave, e Zé foi apenas advertido, mostra o auto de infração.
Da loja da dona Chiara à banca três ruas ao lado, a notícia correu para além da calçada do boteco.
A Preta chegou correndo ao bar do Zé quando soube, pela feira na rua Caiubi, do retorno do Fred. Mais esbaforida que qualquer coisa, ela não conseguia conter o choro. "Primeiro foi de tristeza. Agora é de alegria", soluçava.
Só que por ora o poleiro deve continuar vazio. Para evitar novos transtornos, o papagaio não voltará a tagarelar com a boemia tão cedo –ficará na casa do Zé Ladrão ou de sua mulher, que vive em Atibaia.
No caminho para a casa do Zé, onde a sãopaulo visitou a ave, a reportagem encontrou dona Emília, 93, mãe do botequeiro. Com forte sotaque português, ela voltava da feira e disse que chorou quando viu a ave novamente.
"Viu mãe? Só o Fred para me fazer fechar o bar", contou o Zé Ladrão. Dessa vez, sob o sol a pino, quem cerrou a porta foi um homem mais contente.
Fonte: Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário