segunda-feira, 2 de março de 2020

STJ errou ao excluir dano moral para condomínios?


Uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça foi destaque nacional ao excluir indenização por dano moral a condomínio pelo seu enquadramento como ente despersonalizado. Contudo, essa linha de argumentação parece equivocada.
O Resp 1.736.593/SP pautou sua argumentação com base em três premissas. A primeira é de que deveria ser afastada a ideia de que os condomínios seriam pessoas jurídicas. A segunda de que não seria possível a identificação de honra objetiva para condomínio. A terceira de que ente despersonalizado não poderia sofrer dano moral.
A primeira premissa já foi enfrentada em duas Jornadas de Direito Civil do CJF. O enunciado 90 da I Jornada afirmou que deveria ser reconhecida a personalidade jurídica ao condomínio edilício. Esse entendimento foi reafirmado pelo enunciado 246 da III Jornada. Flávio Tartuce expõe esse entendimento ao prever que o rol do art. 44 do Código Civil seria meramente exemplificativo, o que permitiria a inclusão do condomínio nessa lista. Para tanto, o autor menciona três vantagens nesse entendimento: as reuniões seriam profissionalizadas pela eleição de condôminos dirigentes; diversos serviços poderiam ser prestados, tais como atividades de recreação e transporte; seria possível a celebração de contratos, inclusive, contratos de aquisição de imóveis.
No entanto, esse não é o entendimento prevalente. Como ressaltado no próprio Resp 1.736.593/SP, o entendimento majoritário é o de que os condomínios teriam a natureza jurídica de ente despersonalizado, mas não pelo argumento levantado pelo STJ. O tribunal sustentou que faltaria affectio societatis aos condomínios. No entanto, tal elemento não está presente em diversas modalidades de pessoas jurídicas, como a EIRELI, sociedade limitada unipessoal e na maioria das sociedades anônimas.
De qualquer forma, caso se adotasse o entendimento de que os condomínios seriam pessoas jurídicas não haveria razão para afastar a condenação por dano moral em virtude do entendimento da Súmula 227 do STJ. O afastamento dessa tese pelo julgado, como se verá, não é impedimento para a titularidade de danos morais pelos condomínios.
A segunda premissa do julgado tratou da impossibilidade de os condomínios sofrerem ofensa à honra objetiva. No julgado restou exposto que quem sofreria ofensa seriam os condôminos individualmente. Esse argumento não encontra respaldo na realidade concreta. A grande maioria das pequenas e médias cidades e até mesmo algumas de grande porte reconhecem condomínios com signos próprios de identificação, como nome, identidade visual e características arquitetônicas, que permitem perceber ofensa à honra objetiva não individualizada, mas coletiva.
Nem sempre o titular da unidade autônoma sofrerá o prejuízo individualmente. A ofensa à honra objetiva de um determinado local pode ser tamanha que cause um desinteresse em terceiros por adquirir ou locar as unidades . Se a repercussão for elevada, o condomínio poderá ser inviabilizado e isso não pode ser mensurável na visão tradicional de que os prejuízos são sofridos em caráter exclusivo e particular.
O terceiro pressuposto do julgado foi o que ganhou repercussão nacional e se constitui no maior equívoco do julgado. O acórdão afirma que entes despersonalizados não podem sofrer dano moral.
O Resp n. 931.556/RS, da mesma relatoria do acórdão ora discutido, permitiu a indenização por dano moral a ente despersonalizado. Nesse julgado, o STJ entendeu ser cabível indenização por dano moral a nascituro.
Ora, o art. 2º do Código Civil adota a teoria natalista ao prever que o início da personalidade ocorre a partir do nascimento com vida. Isso não significa que o nascituro, mesmo sendo um ente despersonalizado, não tenha direitos.
Trata-se da aplicação da visão clássica de que os sujeitos de direito podem ser personalizados ou despersonalizados, sendo que a diferenciação entre as espécies é ligada à amplitude da capacidade jurídica. Enquanto os personalizados podem ter, em tese, aptidão genérica para a aquisição de direitos e deveres, os despersonalizados têm aptidão específica.
Essa distinção é feita em relação ao ente despersonalizado nascituro e deve ser feita também para o condomínio ao se perceber que ainda que se negue à personalidade jurídica a esses entes, esse fator, por si só, não é capaz de afastar a titularidade de direitos.
No âmbito da tutela coletiva, é possível falar, inclusive, em dano moral coletivo, no qual se atinge uma coletividade de pessoas. Essa coletividade é um ente despersonalizado. Neste sentido, inclusive, André de Carvalho Ramos expõe que este tipo de dano atinge toda a coletividade que, “apesar de ente despersonalizado, possui valores morais e um patrimônio ideal que merece proteção”.
A lei, como se sabe, prevê alguns direitos aos condomínios de maneira expressa. É o que ocorre, por exemplo, com a capacidade processual, mas não prevê, especificamente, a titularidade de danos morais. Entretanto, ao contrário do que afirma a decisão, é possível notar que alguns condomínios têm sua identidade autônoma à dos titulares das unidades, independentemente de existência de personalidade jurídica e que determinados acontecimentos não atingem a individualidade dos condôminos, mas maculam os próprios signos de identificação desse complexo de bens e relações jurídicas.
Assim, nos dois enquadramentos possíveis dos condomínios, como pessoa jurídica ou ente despersonalizado, é possível a verificação concreta de indenização por dano moral, não merecendo prosperar o atual entendimento do STJ sobre o assunto.
Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).
Fonte: Conjur.


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