O modelo de proteção trabalhista, desde a formação do Direito do Trabalho, carrega particularidades que, em certos casos, traz resultado inverso ao pretendido e inibe iniciativas contratuais que poderiam estabelecer maior consistência e aderência ao compromisso que, em tese, é celebrado sem prazo para terminar. Verifica-se a inversão no caso das liberalidades contratadas expressamente ou contaminadas pela habitualidade na repetição.
É o dilema entre liberdade e flexibilidade das condições contratuais, negociadas em determinado momento da economia, do desenvolvimento da empresa ou do momento contratual do próprio empregado.
A inalterabilidade das condições contratuais admite número limitado de situações: redução salarial (CF, art. 7º, V), reversão ao cargo efetivo (CLT, art. 468) e transferência de localidade da prestação de serviços (CLT, art. 469). São casos especiais, observadas restrições e requisitos legais, que não precisariam constar de contrato expressamente porque é mantida a essência do contrato e seu comprometimento na execução.
Todavia, existem situações práticas na relação de trabalho que são periféricas ao ponto de equilíbrio do contrato e que admitiriam negociações para sua alteração quer pela substituição quer para supressão.
A jurisprudência trabalhista foi se consolidando para reparar efeitos econômicos de alteração de condições contratuais, de forma a controlar supostos abusos praticados no cumprimento de direitos básicos. Por exemplo, a cancelada Súmula 76, do TST, outrora, após o empregado ser submetido a horas extraordinárias de forma contínua por 2 anos ou mais, impedia que a jornada de trabalho retornasse ao tempo normal sem que houvesse a integração do valor equivalente às horas extras. Depois, substituída pela Súmula 291, criou o direito à indenização como forma de reparação cuja aplicação não ficará de acordo com o que dispõe a atual redação do art. 8º, parágrafo 2º, da CLT.
Em outros casos, prevalece a habitualidade para impor ao empregador o ônus de condição contratual e de integração ou incorporação no contrato de trabalho. Assim foi com a Súmula 372 do TST que considerava a gratificação de cargo como vantagem pessoal e, com fundamento na estabilidade financeira, entendia pela recusa da sua supressão. Agora, a Lei nº 13.467/17 (CLT art. 468, parágrafo 2º) assegura o entendimento de que a ausência do cargo implica ausência de gratificação.
No campo das vantagens in natura a jurisprudência foi uníssona para reconhecer que aquelas concedidas a título de auxílio educação, alimentação e outros fossem integradas ao salário ou incorporadas ao contrato de trabalho. Em 2001, a Lei nº 10.243 alterou o parágrafo 2º, do artigo 458, da CLT, excluindo dos efeitos trabalhistas benefícios de educação, previdência privada, assistência médica e outros, sem prejuízo de cuidadosa avaliação com a Lei nº 8.212/91.
O sítio do TST, em 10/março/2020, noticiou que a Segunda Turma, com relatoria do Ministro José Roberto Pimenta (RR-1000733-88.2017.5.02.0351), considerou que cesta básica fornecida por liberalidade da empresa possui natureza jurídica salarial e determinou a integração do preço médio oficial da cesta básica da região, observando que as condições foram estabelecidas anteriormente à Lei nº 13.467/17 e o processo, igualmente, ajuizado em data anterior à nova lei, aplicando o teor da Súmula 241 que considera a natureza salarial do vale refeição, fornecido por força do contrato.
Prevaleceu no caso o entendimento de que o benefício concedido pelo empregador, ainda que posteriormente seja aprovado texto de lei atribuindo natureza salarial diversa, ainda assim, segundo consta no acórdão e por aplicação da OJ-SDII-413, nem mesmo norma coletiva poderia suprimir ou alterar a natureza jurídica salarial do benefício habitualmente pago que teria passado à categoria dos direitos adquiridos. Dito em palavras outras, nem mesmo um acordo coletivo poderia eliminar ou adequar juridicamente
Com referência expressa à usual interpretação quanto à aplicação do art. 468 da CLT, afirma o seguinte:
“Observe-se, no que diz respeito a inscrição da empresa junto ao PAT, que mesmo na hipótese de haver esse cadastro posteriormente ao início do contrato de trabalho em que já houve o fornecimento da verba alimentar, in natura, ou não, tal situação não afasta a natureza salarial da verba, por força dos princípios da inalterabilidade contratual lesiva, insculpido no artigo 468 da CLT, e do respeito ao direito adquirido, consagrado no artigo 5o, inciso XXXVI, da Constituição Federal.”
Deste modo, considerando que a Lei nº 13.467/17 alterou o art. 457 da CLT e modificou o entendimento de verbas que anteriormente tinham natureza salarial (prêmio, por exemplo ou cartões eletrônicos para alimentação), o entendimento do acórdão em comento pode trazer preocupações quanto ao contingenciamento para as empresas a respeito de alterações contratuais produzidas desde novembro de 2017.
Fonte: Conjur.
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