quarta-feira, 4 de março de 2020

CSRF impossibilita alteração na forma de tributação no curso do processo.


Na coluna desta semana, analisaremos precedente da 1ª Turma da CSRF que trata da impossibilidade de alteração da forma de tributação adotada no lançamento durante o curso do processo administrativo-fiscal.
Trata-se do Acórdão nº 9101-003.157, julgado na sessão de 05 de outubro de 2017, em processo cujo lançamento, com base no lucro real, diz respeito à exigência de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins decorrente de suposta omissão de receitas.
Analisando a impugnação apresentada, a turma julgadora de primeira instância julgou-a parcialmente procedente. Entendeu aquele colegiado que o fato de as receitas declaradas pelo contribuinte equivalerem a menos de 1% das receitas omitidas, deveria o Fisco ter arbitrado o lucro do contribuinte, uma vez que sua a escrituração do contribuinte seria imprestável para fim de se apurar o lucro real. E, como o contribuinte houvera pleiteado o arbitramento de lucros, naquele julgamento, recalculou-se a exação com base nessa forma de apuração, exonerando-se o crédito tributário correspondente. Houve interposição de recurso de ofício.
O contribuinte também interpôs recurso voluntário.
A então Primeira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes deu provimento parcial ao recurso de ofício, restabelecendo, no que interessa a presente análise, a tributação pelo lucro real.
A PGFN interpôs recurso especial em matéria que refoge ao interesse ora tratado.
À época, vigia a Portaria MF nº 14/2007, em cujo art. 8º previa-se a possibilidade de interposição de recurso voluntário, para apreciação na CSRF, em face de decisão de Câmara que desse provimento a recurso de ofício, alegando, entre outros temas, a pretensa nulidade da decisão proferida de primeira instância, uma vez que essa teria alterado o critério jurídico do lançamento, o que violaria o artigo 59, II do Decreto nº 70.235/1972 (autoridade incompetente) e o §3º, do mesmo dispositivo (somente se deixaria de declarar a nulidade de uma decisão se o mérito do recurso fosse favorável ao sujeito passivo).
No voto condutor do aresto em análise, a relatora chama a atenção para o fato de que, embora a decisão de primeira instância tivesse citado que o arbitramento de lucros teria sido realizado também em razão de pedido do próprio contribuinte, em realidade, em nenhum momento o contribuinte requereu o arbitramento de seus resultados, mas tão somente reforçou a sua alegação de insubsistência dos autos de infração ante a necessidade de o lançamento já ter sido feito sob a forma do lucro arbitrado.
Em seguida, o voto discorre sobre os fundamentos da decisão de primeira instância que, apesar de deixar claro que é nula decisão que introduz alterações na exigência tributária em razão de sua ilegitimidade, e que o art. 146 do CTN impõe que Fisco deve observar criteriosamente esse dispositivo, o qual impede que, em determinado lançamento, ele passe a adotar novo critério, uma vez que isso implicaria mudança na forma de aplicar a legislação, deixou-se de declarar a nulidade do julgamento de primeira instância “por economia processual” por se entender que o lançamento estaria correto ao adotar o lucro real como forma de apuração do IRPJ para o lançamento de ofício.
Após essa análise do acórdão de primeira instância, partiu-se para uma análise sobre as hipóteses de superação de nulidade tratadas no Decreto nº 70.235/72 (quando a decisão que decretar a nulidade for favorável, no mérito, ao sujeito passivo), na Lei nº 9.784/99 (e comparecimento do administrado, quanto à intimação falha) e do CPC (aproveitamento dos atos praticados sem prejuízo à defesa, quanto ao erro de forma do processo e se realizado de outro modo, o ato se realize alcançando sua finalidade).
De imediato, excluiu-se a hipótese tratada na Lei nº 9.784/99 em razão de não se tratar de falha na intimação, e também se afastou a aplicação do CPC porque não haveria que se falar em erro de forma.
Contudo, entendeu-se ser o caso de aplicação da hipótese prevista no art. 59, II, do Decreto nº 70.235/72 (nulidade em razão de decisão proferida por autoridade incompetente). Em decorrência dessa conclusão, somente seria legítima a não declaração de nulidade da decisão de primeira instância caso a decisão de mérito fosse favorável ao sujeito passivo, nos termos do § 3º do art. 59, do Decreto nº 70.235/72.
Salienta ainda a i. relatora que o “acórdão recorrido reconheceu tal nulidade, tratando da exclusiva competência da DRJ para julgamento (nos termos da Lei n° 8.748/93) e, ainda, do artigo 146, do CTN, que impede a modificação de critério jurídico adotado pela autoridade administrativa quanto a fatos anteriores à alteração deste critério”.
A respeito do art. 146 do CTN, o voto cita doutrina de Hugo de Brito Machado no sentido de que “há mudança de critério jurídico quando a autoridade administrativa, tendo
adotada uma entre várias alternativas expressamente admitidas pela lei, na feitura do lançamento, depois pretende alterar esse lançamento, mediante a escolha de outra das alternativas admitidas e que enseja a determinação de um crédito tributário em valor diverso, geralmente mais elevado.

O voto conclui ainda que o CTN autoriza a revisão de ofício do lançamento quando se constata erro de fato, nos termos do art. 149, IV, c/c art. 145, III.
Salientou-se, contudo, que embora o CTN autorize a revisão do lançamento quando se defronte com erro de direito, o mesmo não se aplica ao erro de direito em razão do disposto em seu art. 146, citando doutrina e jurisprudência do STJ.
Na mesma linha de raciocínio, asseverou-se que os arts. 145 e 149 do CTN também não legitimam a alteração do critério jurídico do lançamento pela autoridade julgadora, pois o julgamento dos processos administrativos reveste-se de atividade de controle de legalidade do lançamento, sendo que as autoridades julgadoras não detêm competência para refazer o lançamento.
Citando ainda o art. 18 do Decreto nº 70.235/72, e em especial seu § 3º, esclarece que esse dispositivo tem como escopo assegurar o direito aos princípios do contraditório e da ampla defesa aos contribuintes, permitindo-se o direito à apresentação de nova impugnação administrativa quando houver inovação da fundamentação legal da exigência.
Fazemos aqui um pequeno parêntese para, aquiescendo com a decisão proferida, esclarecer que o § 3º do art. 18 do Decreto nº 70.235/72, além dos efeitos citados no acórdão em exame, reforça o argumento de que as autoridades julgadoras não possuem competência para alterar a fundamentação legal da exigência, sendo necessária a lavratura de auto de infração complementar cuja competência é exclusiva do Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil no exercício da atividade a que se refere o art. 142 do CTN.
Retornando ao acórdão em análise, cita-se ainda o art. 41 do Decreto nº 7.574/2011 – que regulamenta o processo administrativo-fiscal em âmbito federal – que, além de tratar da possibilidade de alteração do lançamento somente via auto de infração complementar, esclarece que, nessa hipótese, haverá o necessário reinício do trâmite administrativo com a abertura de prazo para apresentação de impugnação.
Em consequência, conclui que o acórdão em recurso de ofício, apesar de considerar nula a decisão de primeira instância, deixou de declarar sua nulidade. Nesse cenário, entendeu-se que “objetivamente, a decisão de mérito a favor do sujeito passivo ­ que poderia ocasionar a superação de nulidade pela Câmara a quo ­ é aquela que julga procedente recurso voluntário e improcedente a autuação fiscal. A decisão que restabelece lançamento na quase totalidade, como é o caso dos autos, não é a favor do contribuinte e, assim, impede a aplicação do artigo 59, §3º, do Decreto nº 70.235/1972”.
Por fim, deu-se provimento parcial ao recurso voluntário do contribuinte a fim de reformar o acórdão proferido e determinar o retorno dos autos à DRJ para que fosse proferida nova decisão.
Conforme se observa, nesse julgado a 1ª Turma da CSRF firmou o entendimento de que não é possível às instâncias julgadoras alterar o critério jurídico do lançamento, daí extraindo-se que a forma de apuração do IRPJ utilizado pela autoridade fiscal, se equivocada, deve levar ao cancelamento da exigência, não sendo possível sua alteração no decorrer do processo administrativo.
Este texto não reflete a posição institucional do CARF, mas sim uma análise dos seus precedentes publicados no sítio virtual do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.
Fonte: Conjur.


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