A discussão sobre o sistema de cotas raciais para ingresso no funcionalismo está longe do fim. A Lei nº 12.990/14, que reserva 20% das vagas para cargos e empregos em órgão da União, tem lacunas que não ajudam a reduzir a disparidade entre negros e brancos na administração pública. Como a legislação estabelece a autodeclaração da raça na hora de se inscrever, muitos candidatos se aproveitam da brecha para tentar entrar no serviço público. É o caso de Mathias de Souza Lima Abramovic, que, após ter sido alvo de denúncias por disputar uma vaga para diplomata pelo sistema, em 2013, voltou a se autodeclarar negro no processo seletivo para o mesmo cargo.
Como as inscrições para as vagas de cota costuma ser em menor número, os interessados encontram menos concorrência do que enfrentariam no sistema amplo. No processo seletivo para diplomata, há uma média de 200 candidatos para cada vaga oferecida na ampla concorrência. Esse número cai para 111 no sistema para negros e pardos. A presença de Abramovic como cotista provocou revolta entre os inscritos.
Em 2013, ele passou por todas as etapas, mas não teve o nome divulgado no resultado final porque não atingiu média suficiente para ser aprovado no concurso. O candidato, no entanto, pode não ser o único a se aproveitar da lacuna na lei. Para tentar evitar a irregularidade, os candidatos recorrem às redes sociais para mapear os que se autodeclararam negros. Alguns cogitam entrar com um recurso na Justiça contra o Itamaraty, por, segundo eles, fazer “vista grossa” ao não prever mecanismos de verificação da autodeclaração. “As pessoas estão procurando uma solução mais drástica, uma vez que nossas comunicações administrativas com o Itamaraty não têm surtido efeito”, afirmou o estudante Luter de Souza, 34 anos.
primeira etapa do certame ocorrerá em 2 de agosto, mas o processo seletivo já está na mira do Ministério Público Federal (MPF). A procuradora Luciana Oliveira, da Procuradoria Regional dos Direitos dos Cidadãos do Distrito Federal, despachou ontem representação à Procuradoria da República do Distrito Federal (PR-DF). O caso ainda será avaliado, mas a abertura de uma ação civil pública não está descartada, garantiu uma fonte ouvida pelo Correio.
O advogado Max Kolbe, do escritório Kolbe Advogados Associados, alerta que a criação de mecanismos para verificar se a pessoa é ou não negra é ilegal. A metodologia usada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) leva em consideração a cor que o entrevistado diz ter. “Como as leis beneficiam quem se autodeclara preto ou pardo, não há como ir contra a legislação e estabelecer cláusulas de barreira ao sistema de cotas”, explicou.
O Correio não conseguiu contato com Mathias Abramovic. O Ministério das Relações Exteriores (MRE) comunicou que não previu mecanismo de verificação prévia de autodeclaração por não estar previsto em lei, ressaltando que “procederam do mesmo modo diversos outros órgãos de administração federal em seus concursos lançados após a entrada em vigor da Lei.”
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