A falta de providências imediatas para atender acidente envolvendo o próprio funcionário do hospital, dentro do seu ambiente de trabalho, caracteriza omissão grave do empregador. Por essa razão, tem o dever de indenizar os danos que daí decorrerem ao seu empregado — conforme previsto nos artigos 186 e 927 do Código Civil.
Com base neste entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) manteve sentença que condenou a Santa Casa de Caridade de Uruguaiana a indenizar uma enfermeira contaminada com mercúrio, após quebra do medidor de temperatura.
Ao invés de ter sido submetida imediatamente a uma cirurgia de raspagem para retirar o elemento, ela só ganhou curativo no dedo afetado. Com isso, passou a enfrentar vários problemas de saúde, que a levaram ao afastamento e, posteriormente, à demissão, após o fim da licença previdenciária.
A relatora do recurso, desembargadora Laís Jaeger Nicotti, observou, no acórdão, que as sequelas do acidente (perda de flexão no dedo, dormência no corpo, dano visual e cicatriz pós-operatória) podem se somar a outras, no futuro. Afinal, os efeitos do mercúrio são lentos e cumulativos.
A relatora, entretanto, reduziu de R$ 680 mil para R$ 400 mil o valor da reparação por dano moral, por considerá-lo mais adequado e razoável às particularidades do caso, a fim de não gerar enriquecimento sem causa da parte lesada. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 20 de novembro.
O caso
O fato que deu causa à reclamatória trabalhista contra a Santa Casa de Caridade de Uruguaiana aconteceu em fevereiro de 2007, quando a autora verificava a temperatura de um paciente psiquiátrico. Agitado, o paciente acabou por cair em cima da mão esquerda da técnica de enfermagem, quebrando o termômetro. O acidente produziu um corte no dedo indicador, que foi contaminado por mercúrio.
Segundo os autos, a técnica foi encaminhada para o pronto-socorro, onde apenas recebeu um curativo e retornou às atividades. Dias após, quando o corte fechou, ela notou um abcesso, sendo submetida a raio-X. O médico que a atendeu abriu o ferimento e fez a drenagem, sem, no entanto, liberá-la do trabalho.
Decorridos 15 dias da drenagem, ela teve de se submeter à raspagem do osso da mão. Até se afastar em definitivo pela Previdência Social, pelo período de um ano, ela passou por oito cirurgias na mão, sem, no entanto, resgatar o movimento do dedo indicador.
Em decorrência da contaminação, a autora passou a sofrer de depressão e a apresentar episódios de diarreia, tremores, dores no estômago, ansiedade, gosto de metal na boca, sangramento nas gengivas, insônia, falhas de memória, fraqueza muscular, nervosismo, mudanças de humor, agressividade e dificuldade em prestar atenção.
Por entender que o empregador não garantiu sua integridade física no ambiente de trabalho e que também não fez os procedimentos corretos quando ocorreu o acidente, pediu reparação por danos materiais, morais e estéticos, dentre outros. Ação foi protocolada após sua dispensa.
A sentença
O juiz-substituto Tiago Mallmann Sulzbach, da 2ª Vara do Trabalho de Uruguaiana, após relatar o conflito de laudos e perícias pelas duas partes, escreveu na sentença que algumas certezas ficaram patentes. A primeira é de que a contaminação por mercúrio é gravíssima, pois seus efeitos no corpo são progressivos, cumulativos, com nenhum prognóstico de cura com o passar dos anos.
‘‘A tendência é que a vida da autora seja transformada em um arremedo do que já foi e do que poderia ter sido, em especial diante do ceifamento do que é muito caro às mulheres, que é a sua capacidade reprodutiva, a sua capacidade de também ser mãe’’, complementou.
A perícia médica deixou claro, também, destacou o magistrado, que se o hospital tomasse providências imediatas e corretas, as consequências poderiam ser amenizadas. ‘‘Entretanto, a análise prova oral faz concluir que, muito embora a ré tenha por objetivo o cuidado com a saúde, porque entidade hospitalar, não foram adotadas as mais basilares medidas de prevenção e segurança no caso da autora, não obstante a gravidade e peculiaridade do acidente’’, observou.
Em face da farta documentação e dos depoimentos carreados aos autos, o juiz entendeu como comprovada a existência de nexo causal entre o acidente de trabalho e as doenças que acometeram e acometem a técnica de enfermagem. Com isso, reconheceu a responsabilidade do hospital — com ‘‘culpa gravíssima'' — em indenizar os danos suportados, a teor do que prevê o inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição Federal.
Para reparação moral, incluindo estéticos, o hospital foi condenado a indenizar a autora em R$ 680 mil. O magistrado também deferiu a indenização por danos materiais, consistente no ressarcimento de despesas decorrentes do acidente.
Fonte: Conjur
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