A 4ª turma do STJ debate no âmbito de um recurso especial se o princípio de boa-fé contratual objetiva pode ensejar a mitigação da norma do CDC (art 39, § 6º) que veda ao fornecedor a execução de serviços sem a autorização expressa do consumidor - e consequentemente exonerá-lo de eventuais danos.
No caso, os autores, casados, pediram indenização por dano moral e material por aplicação financeira de R$ 250 mil em um fundo de ações, feita pelo banco, sem sua prévia autorização. Narraram os autores que são de perfil conservador e aplicavam em CDBs e valoers mobiliários; e que, apesar da insurgência, o investimento foi mantido por cinco anos.
Em 1º grau, a ação foi julgada procedente, tendo o juízo considerado a ilicitude da conduta do banco, que não comprovou a prévia autorização e também que não era caso de consentimento tácito porque a operação não era prática usual entre os contratantes. Fixou danos morais e materiais.
Já o TJ/GO reformou a sentença, considerando que o autor é jornalista e empresário com posses expressivas e “ingenuidade não é atributo da personalidade do requerente, não parecendo crível que R$ 250 mil ficariam aplicados por cinco anos sem autorização”.
Ilicitude da conduta
O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, ponderou inicialmente que os investimentos ostentam formas variadas, e que as instituições bancárias devem fornecer informações claras e precisas aos consumidores sobre as características dos ativos – considerando sobretudo a “incontroversa vulnerabilidade técnica do consumidor”, e especificando de forma correta tais características, notadamente os riscos.
Conforme o ministro, a proteção do consumidor em relação ao abuso aparece em vários momentos na doutrina, que leva em consideração o déficit informacional do consumidor nas relações consumeristas.
“Com efeito, o CDC conferiu relevância significativa aos princípios da confiança, boa-fé, transparência, salvaguarda os direitos básicos de informação”, disse o relator, lembrando inclusive que houve a criminalização da omissão de informação relevante (art 66, CDC).
Salomão destacou que a cautela deve nortear qualquer interpretação mitigadora do dever qualificado do fornecedor de informar - “uma informação deficiente, falha, incompleta, omissa equivale à própria ausência de informação”.
O ministro citou precedentes do Tribunal, a maioria da 3ª turma, e que todos trataram de déficit informacional quanto ao risco.
“A deficiência informacional decorreu da incontroversa ausência de autorização expressa para o investimento em ativo de risco incompatível com o perfil dos autores”, sustentou o relator ao mencionar o art. 39 do CDC.
Para Salomão, em se tratando de prática abusiva vedada pelo CDC, não pode ser atribuído ao silêncio do consumidor em dado decurso de tempo o mesmo efeito jurídico do art. 111 do CC, segundo o qual "o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa".
“Se o correntista tem o hábito de autorizar investimento sem risco de perda, como o CDB, e o banco aplica em fundo de risco incompatível com o perfil do investidor entendo que os prejuízos devem ser suportados exclusivamente pela instituição financeira, que não se desincumbiu de seu dever de informação clara sobre os riscos da aplicação.”
O ministro argumentou que, ainda que indignado com a aplicação indevida de seu patrimônio, o consumidor, mal informado, poderia ter confiado na expertise do seu fornecedor.
“A aparente resignação do correntista não pode ser interpretada como ciência em relação aos riscos da operação. O banco não demonstrou ter agido com a devida diligência”, disse ao assentar a ilicitude da conduta da casa bancária. Assim, concluiu o ministro, é o caso de, reconhecida a ilicitude da prática do banco, devolver os autos ao TJ de origem para o exame das demais questões, como os eventuais prejuízos.
Empate na votação
Após o voto do relator, o ministro Raul Araújo externou dúvida na medida em que a parte não aponta claramente o prejuízo: “O que ela quer?”, indagou. A ministra Isabel Gallotti, por sua vez, antecipadamente inaugurou a divergência:
“Compreendo como o relator que o conhecimento tácito não pode ser trazido do CC para o CDC mas o que o acórdão considerou aqui foi que havia fatos provados nos autos que demonstravam a ratificação dessa autorização por meio de reiterados atos posteriores.”
Assim, conheceu mas negou provimento porque entende não foi violado o dispositivo do CDC, tendo em vista as circunstâncias de fato consideradas pelo acórdão - a ratificação do investimento a posteriori.
O ministro Salomão insistiu:
“Ter ciência da aplicação não significa ciência dos riscos da aplicação. A informação imprecisa que entendi poderia fazer com que o correntista, se tivesse consciência de todo o risco, optar por outra aplicação. O fato que ele ficou cinco anos é incontroverso. O que a lei quer é pleno conhecimento do consumidor acerca dos riscos da operação, por isso exige expressa anuência. A tese do Tribunal não é da ratificação a posteriori, flexibiliza a regra de que tem que ser expressa porque os princípios da boa-fé levam a intuir que tendo mantido a aplicação por cinco anos poderia não ter o ilícito.”
O ministro Raul Araújo acompanhou a divergência e o presidente da turma, ministro Antonio Carlos Ferreira, o relator. Com o empate, o voto de minerva ficou para o ministro Buzzi, que pediu vista dos autos.
- Processo: REsp 1.326.592
Fonte: Migalhas
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