Um ano depois de assumir a Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo e no meio do mandato, o desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, trabalha com planilhas na mão. Quer cortar custos e melhorar o uso da estrutura do tribunal para que sobre mais dinheiro para tocar os projetos de que o TJ precisa.
Por exemplo, a construção das duas torres na rua Conde de Sarzedas, na vizinhança do tribunal. O projeto existe há alguns anos, mas ainda não saiu do papel. O objetivo de Pereira Calças é terminar o mandato com a obra licitada, para que os próximos presidentes possam tocar a construção e acabar com os gastos com aluguel. Hoje os gabinetes de desembargadores ficam espalhados em prédios na região central de São Paulo. Só com o aluguel do edifício onde ficam os desembargadores de Direito Público o gasto é de R$ 60 milhões por ano.
Calças também acabou com quatro cargos de confiança da Presidência do TJ, o que, segundo ele, resultará numa economia de R$ 50 milhões até o fim do ano. O mesmo com os carros oficiais: foi feito um leilão eletrônico para a venda de 124 carros, o que, nas contas do presidente, vai gerar economia de R$ 60 milhões.
A ideia é reduzir o peso que o Judiciário tem nas contas públicas de São Paulo, afirma o desembargador. E uma saída já foi encontrada: em novembro de 2018, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou projeto que dobra a parte dos depósitos judiciais que vai para o TJ, de 30% para 60%.
Leia a entrevista:
ConJur — O tribunal costuma ser criticado por não seguir a jurisprudência dos tribunais superiores. Tanto os ministros do STJ quanto os do Supremo reclamam do não seguimento de súmulas e de precedentes já pacíficos deles. Isso realmente ocorre?
Pereira Calças — Não existe isso. O Tribunal de Justiça de São Paulo segue as súmulas vinculantes. As que não são vinculantes não precisam necessariamente ser seguidas. Cabe aos desembargadores do tribunal, notoriamente competentes, e valendo-se cada um de sua independência, julgar de acordo com o próprio entendimento e interpretar as leis de forma adequada, mas livre. A grande crítica que se faz é que "o tribunal é muito duro", "o tribunal condena muito", mas o TJ-SP possui uma postura legalista, sempre de acordo com a Constituição Federal, não há dúvida nenhuma. Corte alguma pode dizer "você vai decidir de acordo com o que eu mandar" se não for uma súmula vinculante.
ConJur — Recentemente foi divulgado que São Paulo terá varas especializadas em crimes tributários.
Pereira Calças — Os dois desembargadores que foram responsáveis pelo parecer sobre a necessidade de criação dessas unidades foram Geraldo Pinheiro Franco, que é o corregedor-geral, e Fernando Torres Garcia, que é o presidente da seção de Direito Criminal. O objetivo é implantar ainda na minha gestão essas varas novas. Pode demorar dois ou três meses, pois às vezes tem que pintar o local, mas devem sair este ano. Inicialmente, será uma vara só na capital, com uma segunda base que futuramente tratará disso em outras áreas, abrangendo todos os crimes mencionados na documentação que trata da criação dessas unidades. Na primeira fase, teremos a Primeira Região Administrativa de São Paulo, da comarca da capital, que envolve toda a Grande São Paulo, todo o ABC, Osasco e Guarulhos. Posteriormente, na segunda fase, haverá uma vara regional.
ConJur — Os juízes vão ter algum treinamento especial?
Pereira Calças — Não há necessidade de treinamento. Com certeza, os juízes que vão se inscrever nessas varas estudam essa matéria, normalmente têm pós-graduação na área. Vamos lotar lá todos os servidores que serão necessários para o normal funcionamento das duas novas varas. Há um processo de chamamento, então vamos abrir um concurso. Os juízes que se interessarem vão se inscrever e aí serão dois juízes titulares e um auxiliar, no início. É uma prestação de serviço mais econômica para o estado.
ConJur — Que balanço faz do primeiro ano de gestão?
Manoel de Queiroz Pereira Calças — Logo que assumi, fiz uma grande reforma administrativa, com a reestruturação das secretarias, que foram reduzidas de 12 para oito. E extingui um número expressivo de cargos de confiança, o que implicará numa economia de R$ 50 milhões durante o prazo da eleição. Fora isso, também promovi uma grande alteração em caráter patrimonial: estamos colocando 124 veículos em leilão de forma eletrônica, pela primeira vez. Fizemos uma reestruturação em todos os serviços de transportes, e vamos implantar agora novidades. Uma delas é que os motoristas agora vão ter cartão de abastecimento. Tínhamos apenas dois postos de abastecimento, que serviam a toda a comarca da capital. A partir de agora, vamos ter 2,4 mil postos de abastecimento à disposição, o que também implicará redução de despesas, porque era comum um veículo de Itaquera ou do Jabaquara ter que rodar 14 km ou 20 km para abastecer nos dois postos de gasolina que serviam à frota do tribunal.
ConJur — E o que foi feito em termos de digitalização de processos?
Pereira Calças — Hoje, cerca de 60% dos processos em tramitação nas unidades judiciais de São Paulo são virtuais. Os outros 40% são o acervo dos processos físicos que ainda estão em tramitação. Atualmente, todos os processos que entram no tribunal são digitalizados, e temos um sistema antigo de suporte de tecnologia da informação que está sendo revisto, com a implementação de novas ferramentas para aprimoramento dos trabalhos dos servidores, dos magistrados e principalmente dos advogados.
ConJur — Um problema nessa questão de digitalização é que o inquérito policial vinha quase sempre em processo físico.
Pereira Calças — Pois é, mas hoje todos os inquéritos policiais são digitais. Do boletim de ocorrência ao acórdão.
ConJur — O senhor já está em contato com os secretários do novo governo?
Pereira Calças — Já vieram aqui o secretário da Segurança Pública, general João Camilo Pires Campos, o secretário da Casa Civil, Gilberto Kassab, o secretário da Fazenda e Planejamento, Henrique Meirelles, e o secretário da Administração Penitenciária, que é o coronel Nivaldo Cesar Restivo. Estamos em tratativas iniciais para definir as prioridades no combate ao crime organizado e à violência contra a mulher, que está em números estarrecedores.
ConJur — E foi estabelecido algum objetivo específico?
Pereira Calças — Não. Primeiro é uma visita de cortesia, de apresentação. A partir daí, as equipes que trabalham com os nossos juízes e assessores se reúnem para montar projetos.
ConJur — É uma questão de estabelecer prioridades?
Pereira Calças — Sim. Temos um mês de governo novo. O secretário da Segurança recebeu as estatísticas, e poucos crimes recrudesceram, mas ele ficou estarrecido com o número de estupros e abusos contra vulneráveis. Ele é um general do Exército, que exerceu o Comando Militar do Sudeste, e não tinha a menor noção de que havia um número tão grande desses casos. Agora ele está com as polícias Civil, Militar e Científica trabalhando nisso.
ConJur — Em que pé está a construção daquelas torres na rua Conde de Sarzedas?
Pereira Calças — O projeto está pronto e em tramitação nas diversas secretarias da Prefeitura para abrir a licitação.
ConJur — O prédio é um legado que o senhor quer deixar da gestão?
Pereira Calças — Essa mudança é um sonho antigo do tribunal, e eu quero deixar a obra pelo menos licitada, sendo iniciada, para que os próximos presidentes a terminem. Não vou construir. É uma obra de seis anos, no mínimo. São 150 mil metros quadrados em um terreno que já fora desapropriado há muitos anos, de 12,5 mil metros quadrados. O projeto se insere na política do prefeito Bruno Covas e do governador João Doria de revitalização do Centro de São Paulo. Então, há interesse para a cidade, e haverá grande economia para o tribunal. Hoje os gabinetes ficam em vários prédios alugados, o que acarreta gastos altíssimos, que deixarão e existir, porque todos vão ficar no mesmo prédio. Eles poderão vir a pé para o tribunal, e a reunião dos 360 desembargadores no mesmo prédio facilita pelo contato entre eles, que pode gerar frutos na atualização do atendimento jurisprudencial.
Também vamos devolver o edifício ao lado do Edifício Itália, que é o antigo hotel Hilton. Além disso, duas torres da seção de Direito Criminal serão restituídas. Então, teremos aí uma economia que eu calculo que chegue a pelo menos R$ 5 milhões por mês de aluguel, ou R$ 60 milhões por ano. Nós tínhamos aqui dois prédios e pagamos R$ 1,5 milhão mais ou menos no Hilton, um prédio de incorporadora, que não é nosso.
ConJur — E o senhor pretende expandir as unidades remotas de julgamento?
Pereira Calças — Vamos fazer julgamentos virtuais, mas não é possível que todo julgamento seja virtual, porque cabe aos advogados o direito inalienável de fazer sustentação oral. Nos casos mais complexos, com certeza, os advogados deverão continuar a exigir julgamento presencial. E a própria resolução que disciplina o julgamento virtual em segundo grau determina que haja prévia intimação para que o advogado diga se aceita que o julgamento seja virtual. Por isso hoje é impossível acabar com o julgamento presencial.
ConJur — Houve recentemente a aprovação de projetos de lei sobre o TJ na Alesp, não?
Pereira Calças — Foram quatro projetos importantíssimos aprovados pela Assembleia Legislativa. O primeiro foi da participação maior do Tribunal de Justiça nas taxas judiciárias, indo de 30% para 60%. No fim do ano, foi aprovada também a taxa de desarquivamento de processos, tanto físicos quanto digitais, porque temos uma despesa muito grande com o arquivo do tribunal, onde há 95 milhões de processos arquivados em papel. Chegar em 90 milhões é a meta nacional.
ConJur — Isso é arquivo morto?
Pereira Calças — Sim, arquivo morto. Temos uma despesa muito grande como guardiões desses processos, então estamos trabalhando para eliminaros processos de papel arquivados. Há todo um procedimento de mandar os metadados, porque gastamos mais de R$ 50 milhões por ano só com a empresa que cuida do arquivamento, que fica em Jundiaí [SP]. E é uma despesa que sai dos recursos do contribuinte paulista, então nós temos que encontrar uma solução para isso, não podemos ficar eternamente guardando esses processos. A legislação é muito rígida, por conta dos processos que têm interesse histórico, mas só esses. Nós temos que alterar a legislação, talvez o próprio Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal. Já estão fazendo um projeto para isso, e temos o apoio do presidente Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli, para que essa política seja implementada de forma urgente. Também foi aprovada a lei que cria as varas regionais no estado de São Paulo, que vão englobar comarcas e circunscrições, um salto muito grande para o tribunal.
ConJur — E qual é o último projeto?
Pereira Calças — É o dos Colégios Recursais Fixos, com 20 turmas cada uma contando com três juízes de primeiro grau. Eles julgam os recursos de primeiro grau, para que se encerrem lá. São para pequenas causas. Essas são as quatro leis que nós obtivemos e que eram realmente um objetivo do Tribunal conseguir. Foram vitórias consagradoras da nossa gestão, da equipe, de todos nós, com o apoio da Assembleia Legislativa e dos nossos governadores.
Fonte: Conjur
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