Professor de Direito Constitucional entende que não há nada que leve Dilma a efetivamente perder o mandato
Ex-procurador de Justiça e professor titular de Direito Constitucional da Unisinos, Lenio Luiz Streck contesta o parecer que defende a existência de fundamentação para o impeachment:
O senhor considera apropriada essa discussão?
Não é proibido falar de impeachment, está na Constituição. Se tem fundamentos, é outra história. Há uma questão aí que é chave: impeachment é um processo político. Entretanto, não quer dizer que ele não precisa do jurídico. Essa é a grande confusão que as pessoas estão fazendo. Por isso que a Constituição é sábia: embora sejam necessários dois terços da Câmara para o impeachment, é preciso um argumento jurídico forte. Esse argumento jurídico não pode ser inventado. Sem argumento jurídico não tem impeachment. É necessário que haja provas de que houve crime de responsabilidade ou improbidade, e para isso tem que provar o dolo (intenção de cometer o crime). Não basta dizer simplesmente que o presidente foi omisso. Tem de haver provas. Senão, sempre que a oposição somasse dois terços, poderia derrubar um governante. Esse foi o caso do Paraguai, onde o impeachment foi indevido. Foi um golpe. Porque simplesmente mudaram a Constituição para dizer que precisava o número X para derrubar. Não provaram aqueles fatos. No Brasil a lei diz que para que haja impeachment, precisa provar crime de responsabilidade. Por exemplo, o presidente cometeu improbidade administrativa, tais e tais atos.
Há uma dificuldade de estabelecer o equilíbrio entre o político e o jurídico.
Sim. Podem se falar 200 mil coisas sobre isso, mas se as pessoas não entenderem não adianta, senão vão ficar achando que basta juntar dois terços e derrubar. Aí bate no Supremo, que faz o filtro. Senão, imaginem as Câmaras de Vereadores. É fácil ter dois terços contra. Bastaria qualquer oposição dizer: esse prefeito não dá mais, vamos impichá-lo. Mas não, tem que ter um motivo jurídico e depois somar dois terços para juntar o processo político.
Dependendo de como é feito, um impeachment pode ser visto como um golpe ou como conquista democrática. Na sua avaliação, o impeachment seria sinal de amadurecimento democrático ou tentativa de tirar no tapetão?
Se houver um fato que se enquadra na categoria de impeachment, a democracia está madura para isso. Mas não pode ser como escreveu o jurista de São Paulo, o professor Ives Gandra, afirmando que existiriam elementos para fazer impeachment com um parecer em que nem eram tão importante os argumentos jurídicos, e sim políticos. Não basta simplesmente dizer que a lei 1.079, que fala do crime de responsabilidade, está presente. Tem que dizer: em que momento, em que circunstância. Neste momento não existe nada concreto. Não há nenhum elemento objetivo para o impeachment.
Há quem diga que, por Dilma ter presidido o conselho de Pasadena, poderia ser responsabilizada.
Há um ponto chave: a lei de improbidade administrativa exige dolo, isto é, intenção manifesta de fazer tal coisa. Não admite culpa. O sujeito não pode ser punido porque foi relapso ou incompetente. A oposição teria que provar que, na qualidade de presidente do conselho de administração, dolosamente, a então ministra queria que aquele fato ocorresse para dar prejuízo à nação. Mas veja: naquele momento, Dilma não era presidente da República, então esse fato também não poderia ser usado contra ela.
Então, mesmo que se provasse eventualmente dolo de Dilma no caso Pasadena, isso não ameaçaria o mandato presidencial?
Não, porque isso é anterior ao mandato. Ela poderia até ser punida, mas não seria suficiente para perder o mandato. Ela não era nem candidata a presidente naquele momento. O caso de Pasadena não tem o condão de fazer o impeachment. Para isso a oposição teria que provar que a questão passa por crime eleitoral, ou algo assim. Acho que estão cavoucando no lugar errado. O jurista Ives Gandra disse que cabia o impeachment, que a presidente deixou acontecer as coisas na gestão dela. Mas isso é muito vago. Ives Gandra disse que a presidente que manda, é responsável pelo que acontece na Petrobras. Se é verdade isso, o presidente do Senado, ou o presidente da Câmara, ou qualquer governador... tudo o que alguém fizessse acabaria estourando neles. Tudo o que acontecesse numa empresa estouraria no seu presidente. Tem de provar nexo de causalidade.
Fonte: Zero Hora
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