Quando descobriu que estava com um câncer em estágio avançado no sistema linfático, em agosto de 2015, Zeus dos Santos, então com 25 anos, imaginou que enfrentaria uma batalha difícil. O que ele não sabia é que o tratamento contra a doença também faria com que ele mudasse não só seu modo de encarar a vida como o faria ainda trocar de profissão. Então recém-formado em direito pela Universidade de São Paulo (USP), Zeus decidiu que seria médico.
“Quero poder ajudar os outros como eles fizeram comigo. Apesar de eu ter sofrido durante o câncer, foi uma experiência incrível. Me curou do mal de ser arrogante, de achar que sou dono de tudo”, contou ele ao G1.
Após o diagnóstico, Zeus foi internado no Hospital São Paulo, na capital paulista, e passou por 12 sessões de quimioterapia. “Tive amigos fantásticos, que me ajudaram a não colocar o câncer como sentença de morte. Houve dificuldade em encontrar remédios e eles entraram com ação na Justiça. Foi tudo pesado, terrível. Se o inferno existe, está ali”, relembra. A atitude dos médicos e enfermeiros, segundo ele, foi fundamental para conseguir enfrentar esse seu inferno.
“O tratamento dá uma sensação de fraqueza, de inchaço, de enjoo. Percebi como os enfermeiros eram fundamentais para os pacientes. E vi que só conseguia seguir em frente porque tinha médicos como o doutor Otavio Baiocchi (hematologista e professor da Unifesp), empolgados com o que fazem. Se você está lidando com uma pessoa fragilizada, precisa saber dar força para ela. E eles conseguiam”, diz Zeus. (veja acima vídeo do reencontro de Zeus com o médico)
Ele havia acabado de prestar a segunda fase do Exame da Ordem, que permite ao bacharel em direito se tornar advogado. Mas, durante o tratamento, não eram mais os tribunais que o interessavam. Ele queria entrar na faculdade de medicina e mudar de profissão.
Em dezembro daquele ano, 2015, prestou a Fuvest, vestibular da USP, e não foi aprovado. Dois meses depois, ainda fazendo quimioterapia, se matriculou em um cursinho em São Paulo. Nas aulas, usava uma máscara hospitalar para evitar contrair alguma doença na aglomeração de alunos da sala de aula.
“Enfrentei preconceito. Precisei perder aulas por causa do tratamento. Ninguém entendia o que eu estava fazendo. Pedi para a coordenação me colocar numa sala separada durante os simulados, porque eu estava imunossuprimido (com imunidade baixa), não podia pegar nem uma gripe”, conta.
Semana do Enem: sequência de surpresas negativas
Até o vestibular, a rotina de Zeus se dividia entre cursinho e hospital, livros e remédios. Na semana do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que seleciona alunos para o ensino superior, ele enfrentou uma sequência de eventos difíceis: a namorada terminou o relacionamento de 4 anos, sua avó morreu na véspera da prova, e ele ainda viu seu pai, ex-dependente químico que já havia sido preso, ser levado para a delegacia sob suspeita de um homicídio.
“Saí da delegacia e fui direto para a prova. Meu pai insistiu que eu deveria tentar fazer o exame. Fiquei no banheiro do local de prova por uma hora e meia, chorando. Sabia que, com tudo aquilo, meu desempenho não seria suficiente para ser aprovado em medicina”, conta.
Meses depois, vieram as surpresas, desta vez positivas: ele havia sido selecionado para a Universidade Federal de Alfenas, em Minas Gerais, e tinha passado para a segunda fase da Unicamp. Em janeiro, prestou a última prova para tentar uma vaga na universidade de Campinas (SP).
“Nunca achei que passaria na faculdade. Até que uma amiga viu meu nome na 4ª lista de aprovados da Unicamp. Não acreditava. Até hoje não consigo entender. Não tenho religião, mas não sei se foi questão de fé. Estudei razoavelmente, mas de uma forma diferente, no meio do tratamento. E sem a pressão que os adolescentes têm quando prestam vestibular”, conta.
Atualmente, Zeus está no segundo ano de medicina da Unicamp. A doença está em remissão – ou seja, zerada. Mas só é possível falar em cura após 10 anos.
Rotina e família
Mesmo estudando em Campinas, a 98 km da capital, o jovem mora em São Paulo com a mãe, professora de escola pública. O curso de medicina é integral, e Zeus trabalha de madrugada com serviços na área do direito para conseguir pagar as despesas da universidade. “Minha mãe se sente culpada por não poder me bancar. Mas ela é uma guerreira”, conta.
Inspiração
Zeus ainda não sabe qual especialidade seguirá na medicina, mas inspirações não faltam para ele, que se lembra com carinho do médico e das enfermeiras que o acompanharam durante o tratamento.
“Eles não deixaram que eu perdesse meus sonhos. Eu sonhei em um dia estar curado, em fazer direito e agora em ser médico. E vou continuar sonhando para ter esperança e coragem de estar vivo”, diz.
Fonte: Amo Direito
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