Abalados com o maior desafio à sua autoridade em anos, os líderes do Brasil fizeram gestos conciliatórios na terça-feira (18) para tentar acalmar os protestos que estão engolindo as cidades do país. Mas os manifestantes permaneceram desafiadores, invadindo as ruas aos milhares e extravasando sua revolta com a corrupção, o alto custo de vida e o enorme gasto público para a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Em uma convulsão que pegou de surpresa muitos no Brasil e no exterior, as ondas de manifestantes criticaram seus líderes por dedicarem tantos recursos para a imagem do Brasil, com a construção de estádios para eventos internacionais, quando os serviços básicos como educação e saúde permanecem totalmente inadequados.
As manifestações inicialmente começaram com uma revolta diante do aumento das tarifas de ônibus, mas como aconteceu com muitos outros movimentos de protesto nos últimos anos -na Tunísia, no Egito, ou, mais recentemente, na Turquia- rapidamente evoluíram para uma condenação muito mais ampla do governo."Eu amo futebol, mas precisamos de escolas", disse Evaldir Cardoso, 48, bombeiro, no protesto em São Paulo com seu filho de 7 meses de idade.
Quando finalmente os líderes políticos em várias cidades recuaram, na terça-feira, e anunciaram que iriam cortar ou considerar cortar as tarifas, as manifestações já haviam se transformado em protestos sociais mais abrangentes, com cartazes que diziam coisas como "O povo acordou".
"Parecia tudo tão maravilhoso no oásis Brasil e, de repente, estamos revivendo as manifestações da Praça Tahir, no Cairo, assim de repente, sem aviso, sem um crescendo", escreveu Eliane Cantanhêde, colunista do jornal "Folha de São Paulo". "Fomos todos pegos de surpresa. Do paraíso, deslizamos no mínimo para o limbo. O que está ocorrendo no Brasil?"
Milhares se reuniram na principal catedral de São Paulo e caminharam até o gabinete do prefeito. Um pequeno grupo de manifestantes quebrou as janelas e tentou invadir o prédio, obrigando os guardas a recuarem.
Em Juazeiro do Norte, os manifestantes encurralaram o prefeito dentro de um banco por horas e pediram seu impeachment, enquanto milhares de outros protestavam pelos salários dos professores. No Rio de Janeiro, milhares de pessoas protestaram em uma área cinzenta, distante dos bairros à beira-mar de luxo da cidade. Em outras cidades, os manifestantes bloquearam estradas, invadiram reuniões do Conselho da Cidade ou interromperam as sessões legislativas locais, batendo palmas bem alto e, por vezes, assumindo o microfone.
As manifestações estão entre as maiores demonstrações de dissensão desde o fim da ditadura militar do país, em 1985. Depois que uma dura repressão policial na semana passada alimentou a revolta e fez incharem os protestos, a presidente Dilma Rousseff, ex-guerrilheira que foi presa durante a ditadura e agora se tornou alvo de críticas, tentou apaziguar os dissidentes ao abraçar sua causa na terça-feira.
"Essas vozes, que ultrapassam os mecanismos tradicionais, os partidos políticos e a própria mídia, precisam ser ouvidas", disse Dilma. "A grandeza das manifestações de ontem comprovam a energia da nossa democracia".
Seu tom foi um contraste nítido com a abordagem adotada pela Turquia, onde manifestações semelhantes sobre algo que também parecia ser uma questão isolada -o destino de um parque da cidade em Istambul- rapidamente se transformaram em um amplo questionamento da legitimidade do governo por uma parte ativa da população.
Mas, enquanto o primeiro-ministro da Turquia rejeitou os manifestantes como terroristas, vândalos e "vagabundos", Dilma parecia muito consciente da amplitude da frustração no Brasil com o fosso entre as aspirações globais do país e a realidade para muitos milhões de seus habitantes.
Os protestos no Brasil estão ocorrendo justo quando seu alardeado boom econômico pode estar chegando ao fim. A economia desacelerou e se tornou uma sombra pálida do seu crescimento nos últimos anos, a inflação é alta, a moeda está declinando acentuadamente em relação ao dólar -mas as expectativas dos brasileiros raramente foram tão grandes, gerando uma ampla intolerância com a corrupção, as escolas ruins e outras falhas do governo.
"Esses protestos são em favor do bom senso", disse Roberto da Matta, importante comentarista cultural. "Nós pagamos uma quantidade absurda de impostos no Brasil, e agora mais pessoas estão questionando o que recebem em troca".
Um dos principais assessores de Dilma disse nesta terça-feira que as medidas fiscais já adotadas pelas autoridades permitiria que São Paulo reduzisse as tarifas de ônibus consideravelmente. Não ficou claro, entretanto, se a concessão não tardou demais e foi demasiadamente limitada para descarrilar o movimento de protesto.
Uma das principais queixas entre os manifestantes é a corrupção do governo, evidenciada pelo julgamento de figuras importantes do Partido dos Trabalhadores, que governa o país, em um dos maiores escândalos políticos da memória recente do Brasil.
Nenhuma das autoridades condenadas no julgamento foi presa, apesar da acusação sustentar que eles deveriam ter começado a cumprir suas penas imediatamente após o anúncio da sentença pela suprema corte em novembro.
"Estamos furiosos com o que os nossos líderes políticos fazem, com a sua corrupção", disse Enderson dos Santos, 35 anos, que trabalha em um escritório, protestando em São Paulo. "Estou aqui para mostrar aos meus filhos que o Brasil acordou".
Alguns dos estádios sendo construídos para a Copa do Mundo de futebol, marcada para o próximo ano, também foram criticados por atrasos e custos excessivos, e tornaram-se motivo de escárnio enquanto os manifestantes se perguntam se não vão se tornar elefantes brancos. O de Manaus, a maior cidade da Amazônia, terá capacidade para 43 mil espectadores, mas a média de público da cidade em jogos de futebol profissional é de menos de 600 fãs.
As instituições governamentais parecem dispostas a continuar entregando recursos públicos aos projetos. Um jornal brasileiro noticiou na terça-feira que o Banco Nacional de Desenvolvimento aprovou um novo empréstimo de cerca de US$ 200 milhões (em torno de R$ 400 milhões) para o Itaquerão, o novo estádio de São Paulo que deve sediar o jogo de abertura do Mundial.
"Quando você vê os investimentos em saúde e educação e, em seguida, você compara com os grandes investimentos para a realização da Copa do Mundo, é claro que isso provoca certa indignação", disse Adão Clóvis Martins dos Santos, sociólogo da Universidade Católica de Porto Alegre.
No entanto, em torno da Avenida Paulista, a via mais famosa de São Paulo, o cenário era festivo. Alguns manifestantes bebiam latas de cerveja. A fumaça da maconha emanava de partes da multidão. Muitos tinham listras pintadas em seus rostos com tinta verde e amarela, as cores da bandeira brasileira.
"As pessoas estão passando fome, e o governo construindo estádios", disse Eleuntina Scuilgaro, aposentada de 83 anos de idade nos protestos aqui em São Paulo. "Estou aqui por minhas netas. Se você cansa, vai para casa, toma um banho e volta. Isso é o que eu estou fazendo".
Com a contribuição de Paula Ramon e Taylor Barnes (Rio de Janeiro).
Tradução: Deborah Weinberg
Fonte: UOL
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