Pessoas transgênero podem alterar o nome no registro civil sem que passem por cirurgia de redesignação, em nome dos princípios da autodeterminação e da dignidade da pessoa humana. É nesse sentido que caminha o Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento de ações que tratam do tema, em sessão retomada nesta quarta-feira (28/2). A sessão foi suspensa e deve ser retomada nesta quinta (29/2).
O relator do caso, ministro Marco Aurélio, defendeu a “vivência desimpedida do autodescobrimento, condição de plenitude do ser humano” e considerou “dever do Poder Público, no Estado Democrático de Direito, promover a convivência pacífica com o outro, na seara do pluralismo, sem admitir o crivo da maioria sobre escolhas exclusivamente morais, sobretudo quando decorrem de inafastáveis circunstâncias próprias à constituição somática da pessoa”.
Para o vice-decano do STF, cabe a cada um trilhar a respectiva jornada, “arcando com a responsabilidade imposta pela própria consciência”. Marco Aurélio ressaltou ainda que a adequação do nome à identidade psicossocial de gênero não elimina a vida pregressa do cidadão, incluindo aí a responsabilização por atos praticados anteriormente.
Ele defendeu, portanto, a possibilidade de mudança de prenome e gênero no registro civil, com a condição, no caso de cidadão não submetido à cirurgia de transgenitalização à idade mínima de 21 anos, ao diagnóstico médico e ao acompanhamento do interessado por equipe multidisciplinar por no mínimo dois anos.
“A dignidade da pessoa humana tem sido desprezada em tempos tão estranhos e deve prevalecer o direito do ser humano de buscar a sua integridade e apresentar-se à sociedade como de fato se enxerga”, enfatizou Marco Aurélio. O ministro afirmou que impedir uma pessoa de ter seu nome alterado de acordo com o que entende de si pode levá-la à depressão, à prostituição e até mesmo ao suicídio.
Abrangências
Enquanto o relator faz referência a transexuais, o ministro Alexandre de Moraes usou o conceito de transgêneros. “A questão se coloca no princípio da autodeterminação e não há como se exigir para que alguém que manifeste com absoluta capacidade civil da sua vontade pela alteração do nome não possa fazer se não se submeter a uma mutilação não desejada”, disse.
Moraes divergiu na questão relativa à idade mínima: para ele, a mudança deve ser possível a partir de 18 anos, e não 21, como sugere o relator.
Em outra divergência em relação ao relator, o ministro Edson Fachin propôs retirar a exigência de um laudo médico ou decisão judicial, recorrendo novamente ao princípio da autodeterminação. O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou as propostas dos colegas. “Estamos escrevendo uma página libertadora para um dos grupos mais marginalizados e mais estigmatizados da sociedade”, disse.
Para Barroso, a necessidade de esperar uma decisão judicial para a autorização da mudança seria mais um constrangimento às pessoas trans. “O que temos que ter em conta também é que o mundo do direito é muito simples para nós, que vivemos nele. Mas para muitas pessoas a necessidade de buscar o Judiciário pode ser um obstáculo insuperável ou um novo constrangimento.”
Luiz Fux acrescentou que o novo registro civil não deve, “em hipótese alguma”, fazer referência à transexualidade. O ministro também é a favor de dispensar necessidade de laudos médicos ou psicológicos.
Faltam os votos dos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia. A análise ocorre em Ação Direta de Inconstitucionalidade na qual a Procuradoria-Geral da República, discute se é possível dar interpretação conforme a Constituição ao artigo 58 da Lei 6.015/1973, reconhecendo o direito de transexuais à substituição de prenome e sexo no registro civil, independentemente da cirurgia.
Há também um Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que manteve decisão de primeiro grau permitindo a mudança de nome no registro civil, mas determinando que a parte passasse por cirurgia de transgenitalização.
O Superior Tribunal de Justiça já reconhece o direito. No ano passado, a 4ª Turma concluiu que a identidade psicossocial prevalece em relação à identidade biológica, não sendo a intervenção médica nos órgãos sexuais um requisito para a alteração de gênero em documentos públicos.
ADI 4.275 e RE 670422
Fonte: ConJur
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