quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Servidor do STJ que xingou mulheres com perfil no Tinder é condenado por dano coletivo


Um servidor do STJ foi condenado na Justiça por danos morais coletivos por violação de privacidade, da honra e da intimidade de mulheres com perfil no Tinder, um aplicativo de relacionamento. Decisão é do juiz de Direito substituto João Gabriel Ribeiro Pereira Silva, da 13ª vara Cível de Brasília/DF.
O homem mantinha blog anônimo, denominado Hipocrisia Feminina, pelo qual difundia ofensas e humilhações contra usuárias do aplicativo. Entre as ofensas estavam “biscates interesseiras”, "gorda, estrienta, pelancuda", “burras”, “machistas enrustidas”, “fúteis” e “alienadas que vivem de aparência”.
Pela decisão, ele terá de pagar indenização de R$ 30 mil, que será destinada ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, e deve retirar o conteúdo do ar.
Expectativas
A ACP foi impetrada pelo MP/DF após a polícia apontar o réu como responsável pela página e pelas contas de e-mails vinculadas ao blog. Também constatou-se que os IPs utilizados para gerenciamento do blog e emails eram originários do Poder Público, do Serpro e do STJ, órgão do qual o autor das postagens é servidor.
De acordo com a apuração da Unidade Especial de Proteção de Dados e Inteligência Artificial e do Núcleo de Gênero do MP, o homem acessava os perfis das vítimas para copiar fotos, perfis e redes sociais, além de nome, idade e profissão. Em depoimento na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher, ele teria assumido a autoria da página, mas destacou que se tratava de "exercício da liberdade de imprensa e de opinião" ao realizar investigação de perfis que apresentavam informações falsas.
Em sua defesa, o réu também afirmou que, "ao contrário do que alega o órgão acusador, em momento algum agiu com misoginia", e que "a criação do blog e suas publicações são fruto de uma enorme decepção pessoal e de várias pessoas em relação às expectativas que são criadas ao se iniciar um relacionamento em ambiente virtual”.
Por fim, relatou que nunca utilizou informações privadas em suas publicações, mas apenas informações públicas encontradas em redes sociais.
Decisão
Na análise do magistrado, diferentemente do que alega o réu, o homem se valeu de tais materiais para rotular as mulheres conforme padrões de beleza, exercício de sua vida privada e relacionamentos, bem como em relação à prática religiosa e comportamento social apresentado, "sendo a hipótese notória de 'discurso de ódio', o qual já foi considerado pelo STF totalmente incompatível com o conteúdo do preceito constitucional relativo à liberdade de expressão".
O magistrado destacou ser óbvio que qualquer cidadão, ao publicar imagens pessoais em redes sociais, "não o faz conferindo consentimento imediato para que a mesma seja utilizada de forma humilhante", e que não se descarta a possibilidade de que o requerido tinha em mente o mero interesse de se divertir, ou entendia estar abrigado pela concordância de uma parcela do público feminino. "Tais aspectos, entretanto, apenas evidenciam o grau de arraigamento da cultura patriarcal atualmente existente na sociedade brasileira."
O julgador citou documentos internacionais que destacam a importância de se combater casos como esse, como a Carta de Princípios de Yogyakarta, e a Conferência Mundial dos Direitos Humanos, que reconhece que "a violência de gênero e todas as formas de assédio e exploração sexual são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser eliminadas".
Ainda na sentença, destaca que a conduta do réu feriu diretamente o direito constitucional da privacidade e da dignidade da pessoa humana.
"O grau de reprovabilidade da conduta também é alto, haja vista ter sido perpetrada através de domínio aberto na rede mundial de computadores, o qual, inclusive, teve milhares de acessos, contribuindo para disseminar o discurso de ódio do autor no meio de parcela relevante da sociedade."
  • Processo: 0714769-36.2019.8.07.0001
Fonte: Migalhas 




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