Expressões como "malino”, “tramposo” e “baitaca” podem ser desconhecidas do resto do Brasil, e ser chamado de alguma dessas formas não deve causar mais do que estranhamento. Menos no Rio Grande do Sul, onde elas têm conotação ofensiva. O uso dessas expressões por um oficial de Justiça, em uma certidão, rendeu ao Estado a condenação de R$ 5 mil por danos morais a um advogado. A decisão é do Tribunal de Justiça do RS, ao confirmar decisão de primeiro grau.
Tudo começou quando o advogado pediu a citação de uma das partes do processo do qual cuidava, e o oficial de Justiça alegou não ter encontrado o número na rua indicada. Na certidão negativa que informou a não localização, o oficial disse que a numeração deveria estar em outra área, que não de sua competência. O advogado não aceitou a resposta, já que o carteiro dos Correios havia encontrado o lugar.
No cartório do fórum de Caxias do Sul, ele renovou o pedido de citação, por entender que o servidor não “agiu com diligência no cumprimento do Mandado”. O oficial, no entanto, entendeu que foi chamado de “relapso e mentiroso”, embora não exatamente com estas palavras. A réplica veio em forma de poesia, que chamou de “Certidão Gaudéria”. Em uma das estrofes, ele diz:
“Sempre aprendi na vida e pelos sulcos dos caminhosQue todo aquele afobadinho, que mete o narizEm coisa ou área que não lhe condiz,Se dá mal e fica a pé no relento,À mercê de sol, frio, chuva ou vento –E o falado ‘troco’ chega sem tardança.O que importa é que a verdade sempre impera,Mas, infelizmente, o mundo está cheio destes cuerasCom maneios e cara de vaca mansa.”
O “troco” repercutiu e teve consequências. O presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcelo Bertoluci, disse que as palavras ofensivas atentaram contra as prerrogativas do advogado. Em julho de 2013, o Conselho Pleno da OAB-RS decidiu promover um desagravo público ao associado. Mas não parou por aí. O oficial de justiça sofreu processo administrativo e foi advertido por escrito pelo juiz Daniel Henrique Dummer. Conforme o julgador, o servidor não poderia ter se utilizado de expressões negativas a atores do processo.
Na ação, a advogado alegou que o dano é presumido, tendo em vista advir de documento público elaborado por pessoa que goza de fé pública.
Ao ser ouvido em juízo no curso da ação indenizatória por danos morais, ajuizada pelo advogado, o réu admitiu ter dado o troco: “Eu não admito prolação de mentira. Não achei na minha zona, devolvi. Aí, voltou aquela petição, eu achei ofensiva, digo agora doutor juiz, eu vou fazer pra dar uma resposta’’.
Intenção de ofensa
A juíza Maria Aline Vieira Fonseca, titular da 2ª Vara da Fazenda Pública de Caxias do Sul, disse que a resposta do servidor ao advogado (por não encontrar o endereço no Mandado de Citação) foi excessiva e ofensiva. Afinal, o oficial empregou expressões como “malino”, “xereta”, “tramposo”, “baitaca”, “mal-educado”, “afobadinho”. Para a juíza, não é preciso conhecimento de versos e conotações gauchescas para entender a pretensão e o cunho de ofender diretamente o profissional.
A relatora dos recursos na 5ª Câmara Cível do TJ-RS, desembargadora Isabel Dias Almeida, afirmou não terem sido apresentadas provas de que o servidor tenha agido no cumprimento do dever legal, dentro dos limites permitidos pelo Direito e de acordo com a melhor técnica. “Ao contrário, a leitura da malsinada certidão demonstra que possui diversos trechos em que há ofensa à pessoa do autor, lançados de forma absolutamente desnecessária à finalidade do ato”, registrou no acórdão, lavrado na sessão de 26 de agosto.
Também fundamentou a decisão o entendimento de que o estado responde objetivamente pelos atos de seus prepostos no exercício da função, independentemente de culpa, nos termos do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.
Clique aqui para ler a Certidão Gaudéria.
Fonte: Conjur
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