sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Jovem cego e autista supera várias dificuldades e desafios, entra para faculdade e vira tenor




“Com 8, 9 meses de idade, eu já notava ele diferente. Ele chorava demais. Aqueles choros lamentados, sem motivo aparente. Era completamente isolado. Eu falava: 'Saulo, vem aqui com a mamãe'. E ele continua gritando, chorando. Dois anos e meio, nós tivemos certeza que ele era autista. Eu tenho um dia especial. Ele estava chorando demais, e um dos meus filhos colocou uma música. Na mesma hora, ele parou. Ele ficou parado. Aí eu pensei: ‘será que é por causa da música?’. Eu falei: 'Agora, ele pode me ouvir”, relembra Vanessa Pereira, mãe de Saulo.

Foi assim que a música mudou a vida de Saulo. Além de ter nascido com autismo, ele também é cego, mas com um talento que se impôs diante de todos os obstáculos.

Os primeiros cinco anos de vida foram muito difíceis. “Ele era tão agressivo, tão violento. Pegava uma porta e batia. As portas caíam. Pegava as panelas debaixo da pia e começava a bater. Bater, bater, bater. Se a gente chegasse e tirasse, ele avançava violentamente”, relembra a mãe.

A música trouxe calma. A mãe, segurança. “A música é a vida do Saulo. É a música e dizer para ele: ‘eu vou te ensinar’, porque ele ama aprender”, diz a mãe.

Na adolescência, Saulo aprendeu piano. “O professor disse para a gente: ‘Eu fico impressionado, porque um aluno normal demora um mês para aprender o que ele aprende em uma aula’”, conta a mãe.

“Ele sabe que o dó é dó. Ele sabe que o sol é sol. É absoluto. Ele não vai errar isso. Nunca”, afirma Andreia Adour, professora de música da UFRJ.



Saulo tem o chamado 'ouvido absoluto'. Ele é capaz de identificar com exatidão cada nota musical que escuta. E mais. “Ele repetia o som de uma laranja caindo no chão. Uma vez, eu estava ouvindo um concerto de Tchaikovsky e ele deitado perto de mim. De repente, ele fez um barulho e eu pensei: ‘que som é esse que ele fez?’. Eu tinha o LP e voltei. Até que eu consegui apurar que tinha uma nota, essa que ele falava no fundo que tinha passado despercebido por mim e por uma grande parte de pessoas, mas não passou despercebido por ele”, conta a mãe.

E a paixão pela música rompeu limites. Saulo foi alfabetizado em casa. Em 2011, fez as provas orais do Enem e passou para a faculdade de música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Fantástico: Foi uma decisão acertada da universidade quando resolveu aceitar o Saulo?

Professora: Sim, a universidade não só acertou em fazer a inclusão, como o Saulo é um dos melhores alunos da escola.

A voz aguda, característica dos tenores, levou o aluno ainda mais longe.

“Eu fiz uma audição para ser o ator principal dessa ópera. Eu estou interpretando o personagem chamado Lamberto”, conta Saulo.

Lamberto é o nome do protagonista da ópera italiana ‘O professor de música’, apresentada pelos alunos da faculdade.

“Na audição, nós tínhamos três candidatos, cantores, tenores. O Saulo preencheu todos os requisitos. Ele tinha voz adequada ao estilo, ele era o que estava mais bem preparado musicalmente: afinação correta, dicção, a clareza rítmica. Então, não tivemos escolha: nós tínhamos que escolher o Saulo”, conta Priscila Bonfim, diretora musical.

A participação de Saulo na ópera exigiu algumas adaptações, como a comunicação com a orquestra. “Pedimos que ele fizesse as respirações e ele desse os sinais para que a gente pudesse segui-lo”, diz Priscila Bomfim, diretora musical.

E, nessa hora, o ouvido absoluto do Saulo faz diferença. “E, como ele tem uma memória musical excepcional, então a gente convenciona antes. E na hora sai tudo como combinamos”, diz Priscila.

“Em alguns autistas, você encontra uma memorização acima da média. E essa memorização pode se dar ou no ponto de vista da matemática: números, letras ou de música”, explica José Salomão Schwartzman, neuropediatra.

Fantástico: O que, no início, era mais preocupação e medo, hoje é o quê?

Mãe: Prazer, alegria, satisfação, reconhecimento pelo esforço que ele tem feito para se superar.

A última apresentação foi para quase 4 mil pessoas. “A gente tinha que descobrir só o que que a gente tinha que fazer. Mas ele foi quem nos deu a luz do caminho, quando ele começou a se mostrar para a gente interessado pelos sons, pela música”, conta a mãe.

Fonte: g1.globo.com


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