Reproduzir informações disponibilizadas por terceiros não afasta a responsabilidade do jornalista pelo que é publicado. Isso porque é sua obrigação profissional analisar os dados obtidos e apreciá-los com bom senso.
Com esse entendimento, a 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve sentença que condenou o jornalista Juca Kfouri a indenizar o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) José Maria Marin por relacioná-lo à morte do jornalista Valdimir Herzog. O colegiado decidiu ainda aumentar o valor da indenização de R$ 10 mil para R$ 20 mil.
Na ação, Marin disse que o jornalista tem utilizado seu blog para promover uma campanha difamatória contra ele, extrapolando os limites da liberdade de expressão e manifestação do pensamento. Nesta ação, Marin contesta dois textos publicados pelo Kfouri.
No primeiro, em 2012, Marin disse que o jornalista estabeleceu ligação entre um pronunciamento proferido na Assembleia Legislativa de São Paulo, na época em que era deputado estadual, e a morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida dias depois, no ano de 1975. Marin era deputado estadual da Arena, ligado aos militares. Em seu blog, Kfouri aponta que o deputado reclamava da existência de comunistas na TV Cultura, cujo departamento de jornalismo era dirigido por Herzog à época.
No outro texto, publicado em 2013, Juca Kfouri acusa o ex-presidente da CBF de ter feito um "gato" em seu prédio para roubar energia do vizinho. Os textos tinham as seguintes chamadas: "Vamos escrachar José Maria Marin!" e "O gato de José Maria Marin".
Em sua defesa, o jornalista disse que os textos apenas reproduzem críticas jornalísticas, fundadas em fatos verídicos, representando o ajuizamento da ação mera tentativa de intimidação. Além disso, aponta que Marin, enquanto homem público, está sujeito a críticas de todos os fatos a ele relacionados, e não apenas aqueles afetos ao seu ofício.
Na sentença, o juiz Antonio Carlos de Figueiredo Negreiros, da 7ª Vara Cível de São Paulo, condenou o jornalista a pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais pela publicação apenas da notícia sobre o discurso de Marin quando era deputado.
Conforme a sentença, o jornalista poderia tecer críticas às manifestações políticas de Marin durante o regime militar e até mesmo interpretar sobre a influência do discurso para encorajar os agentes do DOI-Codi a adotar medidas para combater a TV Cultura e, consequentemente, a sujeição de Vladimir Herzog aos maus-tratos que teriam provocado a sua morte.
"Nunca, porém, estabelecer — por dedução própria e especulativa — o discurso como concausa da morte, debitando nas costas do autor o fardo de justificar uma acusação reproduzido no veículo de comunicação em massa de responsabilidade pela morte de uma pessoa!", diz o juiz na sentença.
Após a condenação, ambos recorreram. Marin pedindo o aumento da indenização e que Kfouri fosse condenado também pelo outro texto, sobre o "gato" na energia elétrica. O jornalista, por sua vez, alegou que não seria o responsável por eventual dano moral, pois somente reproduziu em seu blog conteúdo produzido por terceiro — no caso, a Articulação Nacional pela Verdade e Justiça. Além disso, apontou que se trata de tema notório e de natureza pública.
Para a 10ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, no entanto, o jornalista não pode afastar sua responsabilidade pela veiculação das informações ao argumento de que tão somente reproduzira informações disponibilizadas por terceiro, porque era sua obrigação profissional analisar a informação obtida e fazer apreciação com bom senso, ainda mais porque se tratava de uma grave acusação.
Conforme o acórdão, por atuar de forma profissional na divulgação de informações, incumbia ao jornalista, antes de veicular notícia obtida de terceiro, fazer a checagem a fim de conferir a verossimilhança das informações divulgadas.
"O réu tem capacidade suficiente para discernir a gravidade da imputação feita e dele era exigido se abstivesse de reproduzir tal conteúdo. Ao fazê-lo, no mínimo, assumiu o risco de causar o dano reclamado na inicial que restou configurado", afirmou o relator, desembargador Ronnie Herbert Barros Soares.
A decisão, no entanto, não foi unanime. O desembargador Carlos Alberto Garbi votou pela absolvição de Juca Kfouri, pois entendeu que não houve o propósito de ofender Marin no texto e porque o jornalista apenas reproduziu informações de interesse público disponibilizada por terceiros. "Diante disso, eventual ato ilícito, se ocorreu, não foi cometido pelo réu, o que determina a improcedência do pedido de reparação por danos morais", afirmou.
Garbi ressaltou, ainda, que há orientação da doutrina e da jurisprudência no sentido de que a mera reprodução de matéria jornalística, sem o propósito de injuriar, não caracteriza ilícito.
"A liberdade de expressão impõe limites, como reiteradamente é afirmado pelos tribunais. Os profissionais da mídia tangenciam frequentemente esses limites em favor da informação e do direito de crítica e é natural admitir que em algum momento podem resvalar, ou seja, passar muito próximo da honra e dignidade das pessoas. Somente quando se verifica o propósito de ofender é devida a indenização. Não me convenci que esta hipótese se apresenta no caso", disse em seu voto.
Ação penal
Esta não é a primeira ação de Marin contra Juca Kfouri. Em 2013, ele pediu que o jornalista fosse condenado pelo crime de injúria. Porém, naquela ocasião, a ação penal foi julgada improcedente.
Segundo o juiz Ulisses Pascolati Junior, do Juizado Especial Criminal Central, é direito e até dever do jornalista retransmitir fatos históricos verdadeiros para que os leitores possam fazer o juízo de valor que bem entenderem.
Ao analisar o conteúdo questionado, o juiz concluiu que “nos textos publicados pelo jornalista não se observa a tentativa de responsabilizar diretamente o ofendido pela morte de Vladimir Herzog. Os textos são, na realidade, voltados na tentativa de não deixar a história ser esquecida”.
Há ainda uma segunda ação penal envolvendo Marin e Kfouri. Porém, não é possível saber seu andamento porque o feito tramita em segredo de Justiça.
Condenação nos EUA
Em dezembro de 2017, Marin foi considerado culpado pelo júri popular do Tribunal Federal do Brooklyn, em Nova York, em seis de sete acusações que recebeu no escândalo que ficou conhecido como "Fifagate". Apesar de ainda não ter a pena definida, a Justiça do Estados Unidos determinou a prisão imediata do ex-dirigente da CBF, que foi encaminhado para um presídio no Brooklyn. Enquanto aguardava o julgamento, Marin ficou em prisão domiciliar por dois anos, na Quinta Avenida, em Nova York.
1013675-53.2013.8.26.0100
Fonte: ConJur
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