segunda-feira, 11 de julho de 2016

Aos 80 anos, médico vai terminar segunda faculdade e sonha agora em ser advogado


Em 2012, Benedito Gattass Orro repensou a atuação dele como médico e viu que alguns embates estavam fazendo parte da rotina de trabalho. Para ele, era como se os avanços tecnológicos estivessem ocupando o lugar dos princípios da Medicina. Então, ele preferiu deixar de lado o que chama de “parte pesada” da profissão, se limitando a atuar nos atendimentos.
Mas longe de ser uma atitude de quem está pensando em aposentadoria, foi tempo de dar início a outra carreira. Aos 80 anos, o médico está prestes a se formar em Direito e sonha agora em advogar.
Orro estuda na Faculdade Salesiana de Santa Teresa (FSST) em Corumbá, a 417 km de Campo Grande, e trabalha no setor de radiologia da Santa Casa. “Ainda atuo, mas não tiro mais plantão”, explica.
Da primeira graduação para esta, que está por vir, 55 anos se passaram. Mas para Orro os dias parecem não ter avançado com essa rapidez. “Tem a idade cronológica e a idade espiritual. A minha sempre foi espiritual. Hoje acredito ter 29 anos”, brinca.
DIREITO POR ESCOLHA 
Ele conta que, quando informou à família sobre a matrícula em outra graduação, todos ficaram entusiasmados. “Direito eu escolhi porque tinha que aprender para ser advogado. A vida nesse país está obrigando todo mundo a ser. A lei parece que está sendo feita à marteladas, não há aquela linha total, aquela coerência. Cheguei nesse ponto e foi uma das grandes coisas que fiz”. 
O fato de ter dois filhos trabalhando na área, também serviu como motivação para ter optado por Direito. “Eles são bons advogados então acho que vai ser uma coisa benéfica. Vou aprender e procurar ajudar”. 
Por fim, ele cita a questão de conhecer e reivindicar os próprios direitos. “A perseguição contra o médico é muito grande. Eu era pobre. Comecei do zero, lá de baixo, e fui subindo, subindo pelos meus esforços. Isso acaba gerando um pouco de inveja. Então também foi para aprender a me defender”, diz. 
MEDICINA POR VOCAÇÃO 

​Orro conta que a opção por Medicina há quase 50 anos foi um pouco diferente. Era como se não tivesse outra alternativa para ele e não teve relação nenhuma com influência familiar. “Foi uma decisão individual, taxativa, coerente e única”, lembra. “Eu queria ser médico e apesar de todos os esforços, sou médico”.
Ele estudou e se formou na Faculdade Nacional de Medicina em Praia Vermelha no Rio de Janeiro. “Direito foi uma escolha. Medicina foi uma dogma, uma vontade indelével (que não se pode apagar)”.
SALA DE AULA 
De volta à faculdade, o médico relata que se sentiu à vontade porque a turma é heterogênea, com pessoas “dentro da juventude e também da boa fase”, como ele mesmo diz. 
Professores de Direito já tinham sido pacientes dele, outros eram amigos e alguns pais dos colegas de classe vieram ao mundo sob o olhar atento e os cuidados de Orro que, sendo especialista em ginecologia e obstetrícia, realizou muitos partos na cidade.
Ele conta que a maneira dos colegas mais novos de pensar e agir, normalmente, é diferente da dele, mas nada que tivesse o marcado negativamente. “Ali é como se fosse a casa da gente”. 
Orro lembra que entrou no curso sem conhecimento algum da área e declara não ter sido fácil, especialmente pelo volume de trabalhos e pesquisas exigidos.  “A Medicina ajudou muito, mas existe uma diferença fundamental entre as duas áreas: para a Medicina a verdade é uma e para o Direito a verdade é de quem vê o fato”. 
Depois ter passado por nove semestres “tranquilamente” no que diz respeito a nota, chegando à reta final do curso, ele diz que agora “está cansando”. 
CHEIO DE VIDA
E assim que o curso chegar ao fim, o médico que passar mais tempo com os filhos. “Vou ficar junto deles. Sou do tipo paizão”, declara orgulhoso, citando a profissão que cada um deles escolheu.
“Todos se formaram: um é médico, dois são advogados e uma é turismóloga. É uma família boa, então eu sou feliz”. 
Outra parte dessa felicidade tem relação também com essa “mania” do médico em querer aprender.
“Sempre gostei de estudar”.

Para ele, dedicar-se aos estudos é forma de ter mais qualidade de vida e evitar doenças como mal de Alzheimer ou depressão. “Não tenho nada!”. 
“Eu não gosto de interferir nem influenciar as pessoas, mas acho que essa é uma mensagem importante: quem não estuda, não usa a cabeça. Quem estuda, aprende coisas novas, toma decisões mais corretas e vive melhor. A minha dica é: mantenha-se ocupado”.
 

Fonte: Correio do Estado


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