Em 2012, Benedito Gattass Orro
repensou a atuação dele como médico e viu que alguns embates estavam fazendo
parte da rotina de trabalho. Para ele, era como se os avanços tecnológicos
estivessem ocupando o lugar dos princípios da Medicina. Então, ele preferiu
deixar de lado o que chama de “parte pesada” da profissão, se limitando a atuar
nos atendimentos.
Mas longe de ser uma atitude de quem
está pensando em aposentadoria, foi tempo de dar início a outra carreira. Aos
80 anos, o médico está prestes a se formar em Direito e sonha agora em advogar.
Orro estuda na Faculdade Salesiana de
Santa Teresa (FSST) em Corumbá, a 417 km de Campo Grande, e trabalha no setor
de radiologia da Santa Casa. “Ainda atuo, mas não tiro mais plantão”, explica.
Da primeira graduação para esta, que
está por vir, 55 anos se passaram. Mas para Orro os dias parecem não ter
avançado com essa rapidez. “Tem a idade cronológica e a idade espiritual. A
minha sempre foi espiritual. Hoje acredito ter 29 anos”, brinca.
DIREITO
POR ESCOLHA
Ele conta que, quando informou à
família sobre a matrícula em outra graduação, todos ficaram entusiasmados.
“Direito eu escolhi porque tinha que aprender para ser advogado. A vida nesse
país está obrigando todo mundo a ser. A lei parece que está sendo feita
à marteladas, não há aquela linha total, aquela coerência. Cheguei nesse
ponto e foi uma das grandes coisas que fiz”.
O fato de ter dois filhos trabalhando
na área, também serviu como motivação para ter optado por Direito. “Eles são
bons advogados então acho que vai ser uma coisa benéfica. Vou aprender e
procurar ajudar”.
Por fim, ele cita a questão de
conhecer e reivindicar os próprios direitos. “A perseguição contra o médico é
muito grande. Eu era pobre. Comecei do zero, lá de baixo, e fui subindo,
subindo pelos meus esforços. Isso acaba gerando um pouco de inveja. Então
também foi para aprender a me defender”, diz.
MEDICINA
POR VOCAÇÃO
Orro conta que a opção por Medicina
há quase 50 anos foi um pouco diferente. Era como se não tivesse outra
alternativa para ele e não teve relação nenhuma com influência familiar. “Foi
uma decisão individual, taxativa, coerente e única”, lembra. “Eu queria ser
médico e apesar de todos os esforços, sou médico”.
Ele estudou e se formou na Faculdade
Nacional de Medicina em Praia Vermelha no Rio de Janeiro. “Direito foi uma
escolha. Medicina foi uma dogma, uma vontade indelével (que não se pode
apagar)”.
SALA
DE AULA
De volta à faculdade, o médico relata
que se sentiu à vontade porque a turma é heterogênea, com pessoas “dentro da
juventude e também da boa fase”, como ele mesmo diz.
Professores de Direito já tinham sido
pacientes dele, outros eram amigos e alguns pais dos colegas de classe vieram
ao mundo sob o olhar atento e os cuidados de Orro que, sendo especialista em
ginecologia e obstetrícia, realizou muitos partos na cidade.
Ele conta que a maneira dos colegas
mais novos de pensar e agir, normalmente, é diferente da dele, mas nada que
tivesse o marcado negativamente. “Ali é como se fosse a casa da gente”.
Orro lembra que entrou no curso
sem conhecimento algum da área e declara não ter sido fácil, especialmente pelo
volume de trabalhos e pesquisas exigidos. “A Medicina ajudou muito, mas
existe uma diferença fundamental entre as duas áreas: para a Medicina a
verdade é uma e para o Direito a verdade é de quem vê o fato”.
Depois ter passado por nove semestres
“tranquilamente” no que diz respeito a nota, chegando à reta final do curso,
ele diz que agora “está cansando”.
CHEIO
DE VIDA
E assim que o curso chegar ao fim, o
médico que passar mais tempo com os filhos. “Vou ficar junto deles. Sou do tipo
paizão”, declara orgulhoso, citando a profissão que cada um deles
escolheu.
“Todos se formaram: um é médico, dois
são advogados e uma é turismóloga. É uma família boa, então eu sou
feliz”.
Outra parte dessa felicidade tem
relação também com essa “mania” do médico em querer aprender.
“Sempre gostei de estudar”.
Para ele, dedicar-se aos estudos
é forma de ter mais qualidade de vida e evitar doenças como mal de
Alzheimer ou depressão. “Não tenho nada!”.
“Eu não gosto de interferir nem
influenciar as pessoas, mas acho que essa é uma mensagem importante: quem não
estuda, não usa a cabeça. Quem estuda, aprende coisas novas, toma decisões mais
corretas e vive melhor. A minha dica é: mantenha-se ocupado”.
Fonte: Correio do Estado
Nenhum comentário:
Postar um comentário