Michel Temer pode não ter se tornado um escritor de carreira, como desejava quando era adolescente, mas, como acadêmico de Direito, tem quatro livros publicados, nos quais aborda temas relacionados ao seu universo: Justiça e Política. O sonho de juventude materializou-se em um livro de poesia, que ele fez questão de dizer ser "ficcional".
No campo jurídico, a leitura das obras revela quais são as principais posições do vice-presidente, com chances reais de assumir o cargo máximo da República caso o processo de impeachment contra Dilma Rousseff seja instalado. Por meio delas, é possível concluir que Temer se coloca como um defensor da Constituição, simpatizante do parlamentarismo, favorável à redução de impostos e contrário a medidas intervencionistas na economia e no Judiciário.
O livro mais famoso de Temer é Elementos de Direito Constitucional (editora Malheiros). Publicado originalmente em 1982 e totalmente reformulado após a promulgação da Constituição de 1988, a obra está em sua 24ª edição, e já vendeu mais de 200 mil cópias. A linguagem é mais simples, sem o "juridiquês" que marca os livros da área.
Elementos busca explicar o conteúdo literal do texto constitucional. São raras as citações de jurisprudência e outras leis ou de autores que possuem visões divergentes. Também são poucos os trechos em que Michel Temer arrisca uma interpretação única e mais ousada.
O foco do livro é a organização do Estado brasileiro, priorizando explicações sobre o funcionamento do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Não há no livro análises mais detalhadas sobre os direitos e garantias fundamentais, as regras tributárias e o sistema econômico.
Processo de impeachment
Em relação ao rito do impeachment, que pode levá-lo ao poder, sua visão é diferente da adotada pelo Supremo Tribunal Federal em dezembro, quando deixou a abertura do processo nas mãos do Senado.
Para Temer, a Câmara dos Deputados tem o poder de autorizar a instauração do processo pela maioria qualificada de 2/3 de seus membros, e não apenas verificar se estão presentes os requisitos formais que permitem a abertura do procedimento. Ao Senado ficaria apenas a análise de mérito.
Michel Temer também explica no livro que o julgamento feito pelo Senado é de natureza política, não jurídica, baseado em "juízo de conveniência e oportunidade". Dessa maneira, a casa legislativa pode optar por manter o chefe de governo no cargo mesmo se verificar a prática de crime de responsabilidade e por não impor penas a ele.
“Não nos parece que, tipificada a hipótese de responsabilização, o Senado haja de, necessariamente, impor penas. Pode ocorrer que o Senado Federal considere mais conveniente a manutenção do presidente no seu cargo. Para evitar, por exemplo, a deflagração de um conflito civil; para impedir agitação interna. Para impedir desentendimentos internos, o Senado, diante da circunstância, por exemplo, de o presidente achar-se em final de mandato, pode entender que não deva responsabilizá-lo”.
Sem unanimidade
O livro, entretanto, divide opiniões. Os professores de Direito Administrativo e Direito Tributário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, respectivamente, Celso Antônio Bandeira de Mello e Paulo de Barros Carvalho elogiam a escrita clara do livro. O ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB), de quem Temer foi secretário, acha que a objetividade da obra faz com que ele sirva tanto para estudantes como para advogados, promotores e juízes.
Por outro lado, há quem ache a obra superficial demais. Avaliam queElementos é útil para um primeiro contato com Direito Constitucional, mas não para quem já está mais avançado na matéria. “[Elementos] Não é profundo, mas é um bom livro em seus propósitos”, afirma a professora de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Ana Paula de Barcellos.
Nessa linha, o professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo Fernando Facury Scaff destaca que usaria a obra se desse aulas para alunos da graduação por seu didatismo. No entanto, ele ressalta que não a inseriria na bibliografia de um curso de especialização lato ou stricto sensu.
Uma advogada ouvida pela ConJur, que pediu para não se identificar, diz que Elementos segue a popular tradição acadêmica de escrever “banalidades manualescas”. A seu ver, Michel Temer é um político, e não um constitucionalista, uma vez que a atividade pública contamina a postura científica exigida para aprofundar-se no estudo da Carta Magna. Na visão dela, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, e o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim também são exemplos de políticos erroneamente classificados de juristas.
Posições mais claras
Constituição e Política e Democracia e Cidadania (ambos da Malheiros) seguem o mesmo formato: são coletâneas de artigos de duas ou três páginas sobre temas jurídicos e políticos. Nas duas obras, Michel Temer se posiciona de forma mais contundente do que em Elementos de Direito Constitucional. A publicação dos livros coincide com o período quando Temer já havia deixado de lado a advocacia e mergulhado de cabeça na vida política.
No livro Constituição e Política, publicado em 1994, Temer elogia o recall (oureferendo revogatório), medida que um grupo de parlamentares pretendeimplementar no Brasil, e lamenta que o instituto não tenha sido incluído na Constituição Federal de 1988. Segundo Temer, esse é um “meio hábil para retirar o impeachment do antiquário onde sempre repousou para vitalizá-lo com a vontade popular”.
Na época das denúncias de corrupção do então presidente Fernando Collor, que terminaram por levar à sua deposição, o líder do PMDB disse que o próprio investigado deveria insistir para que a Câmara dos Deputados investigasse o caso, porque isso seria uma forma de ele provar sua inocência à população. Se ao final dessa apuração Collor não obtivesse 1/3 dos votos para barrar a abertura de um processo de impeachment, ficaria provado que ele não pode exercer o poder.
Mesmo assim, ele afirmava que a renúncia não era o meio adequado para resolver o impasse, pois se trata de “meio para impedir a apuração, o que, muitas vezes, transforma o agente político em mártir. Que, um dia, retorna sobranceiro”.
Poder e direitos
Temer relata ter simpatia pelo parlamentarismo, mas critica aqueles que levantam essa ideia a cada crise política que o Brasil atravessa. Pra ele, a transição brusca para esse sistema de governo não resolveria os problemas sociais, e poderia resultar na instituição de um presidencialismo “mais imperial e centralizador do que aqueles que temos conhecido”.
Para evitar essa ruptura brusca, a solução seria estabelecer o semipresidencialismo, com um primeiro ministro indicado pelo presidente. Caso essa fórmula intermediária funcionasse, aí, sim, o país poderia implantar o parlamentarismo.
Em Constituição e Política, o presidente do multifacetado PMDB defende que os partidos políticos sejam firmemente comprometidos com uma ideologia. Essas posições deveriam ser expostas, diz, em um programa partidário principiológico, de forma que não tivesse que ser constantemente alterado.
Na corrente contrária defendida por diversos criminalistas, Michel Temer entende que penas mais altas inibem a prática de crimes. Assim, ele comemorou a inclusão do sequestro no rol dos crimes hediondos. “A liberdade é um bem altamente prezável. Aquele que se marginaliza — especialmente os sequestradores — costuma ter ciência da dimensão penal do delito que pratica. Sendo severa, a tendência é reduzir o ímpeto criminoso”, avaliou na época.
O constitucionalista também foi contra a criação do Conselho Nacional de Justiça, que só se concretizou em 2004. Ele manifestava na época receio de o órgão ser loteado por partidos políticos, e, com isso, influenciar indevidamente a atividade dos magistrados.
Já no livro Democracia e Cidadania, publicado em 2006 e que também inclui discursos dele na Câmara dos Deputados, Michel Temer ressalta a relevância do Direito. “Quanto mais participo da vida pública e da atividade política, mais verifico a importância do Direito como regulador das relações institucionais e sociais. A lei pode até ser injusta, mas tem que ser cumprida", ressalta. "Caso contrário, gera desordem, afeta o funcionamento dos Poderes e traz o desejo de ditadura."
Sinais e recuos
No mesmo livro, Temer dá pistas das medidas econômicas que poderá tomar caso assuma a presidência. Ideias como destinar um maior percentual do PIB para a área social e taxar grandes fortunas são consideradas “mirabolantes e milagreiras” pelo peemedebista. O caminho ideal é reformar o sistema fiscal, diminuir a carga tributária, promover um aumento de eficiência da máquina estatal e melhorar os serviços públicos.
Porém, há dois pontos sustentados por Temer em Democracia e Cidadaniasobre os quais ele mudou de opinião nos últimos tempos. Um deles é o voto distrital, apresentado na obra como forma de conferir maior proximidade dos eleitores aos parlamentares.
Em 2015, entretanto, já como vice-presidente, afirmou que esse modelo pode ser bom para uma cidade, mas não para o país, pois os deputados acabam ficando presos a interesses locais e perdem a visão nacional de suas atividades. Em sua visão, a solução seria o chamado "distritão", em que apenas os mais votados de cada estado seriam eleitos.
O segundo ponto é o financiamento público de campanhas. No livro, o líder do PMDB avalia que essa é a solução para acabar com a corrupção no Brasil. Contudo, em 2015 ele flexibilizou sua posição, e admitiu que empresas possam fazer doações, desde que se limitem a um partido ou candidato por pleito.
Perda de objeto
Sua tese de doutorado na PUC-SP, Território Federal nas Constituições Brasileiras, publicada em 1975, perdeu relevância uma vez que os territórios existentes em 1988 foram abolidos com a Constituição (embora ainda estejam presentes no texto da Carta Magna), e só tem utilidade como um estudo histórico dessas antigas unidades federativas.
Em suas páginas, o peemedebista explica as características dos territórios que existiam sob as Constituições de 1967-1969, que eram Amapá, Roraima, Rondônia e Fernando de Noronha. Os três primeiros viraram estados da região Norte, enquanto o último foi incorporado a Pernambuco.
Veia poética
É apenas com Anônima Intimidade (editora Topbooks), de 2013, Michel Temer considerou-se realizado como escritor. Os poemas que compõem o livro foram escritos em guardanapos durante as viagens aéreas entre São Paulo e Brasília. Em suas palavras, ajudavam a se recuperar da “arena árida da política legislativa”.
Logo no início Temer deixa claro que seu livro de poesias é uma obra de ficção e que “qualquer semelhança comigo ou com terceiros é mera coincidência”. Mas é impossível resistir à tentação de encaixar os versos curtos das incursões líricas de Michel Temer ao contexto político que pode levá-lo à presidência da República.
O rompimento do PMDB com o governo do PT ganharia ares poéticos em "Tempo que passa": “Deixo que o tempo passe / E que os papéis / percam atualidade / Superados, rasgo-os / Também assim / nas relações / Deixo que o tempo as consuma / Exauridas, elimino-as”.
"A Carta" leva qualquer observador político à famigerada missiva que Temer enviou a Dilma no fim de 2015: “Leu / Releu / Não entendeu / Mas compreendeu / Tanto escreveu / Só para dizer /'Adeus'". Lidos hoje, os dois versos de "Trajetória" podem sugerir um Michel Temer vacilante: “Se eu pudesse / Não continuaria”. Já "Compreensão Tardia" convida o leitor a imaginar sobre qual situação teria levado Michel Temer escrever os versos: “Se eu soubesse que a vida era assim / Não teria vindo ao mundo”.
Carreira jurídica
Depois de 26 anos governado por engenheiro, sociólogo, metalúrgico e economista, o Brasil pode restabelecer a hegemonia dos advogados. Caso a presidente Dilma Rousseff tenha de se afastar com a instauração do processo de impeachment pelo Senado, seu vice Michel Temer será o 22º presidente formado em Direito, do total de 41. Não à toa, o país ganhou o apelido de a “República dos Bacharéis” no início do século XX.
Porém, ao contrário de ex-presidentes que se formaram em Direito, mas não trabalharam na área, como José Sarney e João Goulart, Temer possui longa experiência no ramo. Ele foi advogado e procurador do estado de São Paulo por mais de 20 anos antes de entrar de vez para a política.
Fonte: Conjur
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