O TCU decidiu nesta quarta-feira, 7, que a OAB deve submeter suas contas à fiscalização do órgão. A decisão unânime da Corte foi a partir do voto do relator, ministro Bruno Dantas. A decisão vale para 2020, ou seja, em 2021 serão fiscalizadas as contas do ano anterior.
O ministro Dantas enfatizou que o momento atual é de uma sociedade que exige cada vez mais a transparência das instituições.
“A consolidação do Estado Democrático de Direito e a efetivação do princípio republicano estão intimamente ligadas à noção de accountability pública. No desenho institucional brasileiro, a OAB exerce papel fundamental de vigilante sobre o exercício do poder estatal e de defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito. Por essa razão, deve ser a primeira, entre os conselhos de fiscalização profissional, a servir de exemplo, e apresentar uma gestão transparente e aberta ao controle público.”
- Confira a íntegra do voto do ministro Bruno Dantas.
Obrigatoriedade da fiscalização
Em maio deste ano, o TCU reabriu o debate sobre a obrigatoriedade de prestação de contas, determinando a realização de estudo técnico. A determinação se deu em processo administrativo sobre a prestação de contas do exercício de 2017 dos órgãos e entidades da administração pública Federal.
Diante do resultado do estudo, a OAB se manifestou argumentando que não é autarquia típica, ou seja, não integra a administração pública e tem como características a autonomia e independência. Também alegou que as anuidades da OAB são de natureza não tributária e privada.
O diretor da secretaria-Geral de Controle Externo do TCU apresentou parecer em agosto no qual defendeu que a OAB seja incluída como unidade prestadora de contas. Para o diretor técnico, a afirmação da OAB de que a pretensão do TCU tem como escopo atentar contra a autonomia e independência da Ordem é despropositada e até mesmo ofensiva.
"Por que razão exigir a prestação de contas de uma entidade, qualquer que seja ela, poderia atentar contra sua independência e autonomia? Independência e autonomia se exerce com postura e atitudes que demonstrem a lisura, retidão, integridade, correção, probidade e transparência. O STF, por exemplo, tem a sua independência e autonomia afastadas em razão de prestar contas ao TCU e respeitar a Lei de Acesso à Informação?"
Julgamento
Na sessão desta quarta-feira, 7, o processo voltou à pauta. O representante do Ministério Público Lucas Furtado sustentou oralmente afirmando que, no ordenamento jurídico brasileiro, as pessoas são públicas ou privadas.
“Não há meio-termo. Não há como escolher para algumas finalidades a natureza pública e para outras a privada. A fiscalização não significa direcionamento: o Tribunal de Contas nunca interferiu na gestão de qualquer instituição para dizer o que fazer. A fiscalização da OAB ao TCU não significa um milimetro sequer de perda de autonomia para aquela entidade.”
Contudo, o representante do parquet defendeu também que o entendimento do STF na ADIn 3.026 faz com que a Ordem não seja incluída nos registros do TCU como unidade prestadora de contas.
- Veja o parecer do MP.
O advogado Sérgio Ferraz, por sua vez, sustentou pelo Conselho Federal a desobrigatoriedade de prestação de contas pela OAB ao TCU:
“A Ordem não recebe verbas públicas, subvenções, auxílios ou qualquer ingresso de natureza pública, consequentemente suas gestões não têm, jamais, reflexo no erário público. E se não é entidade da Administração indireta, como diz o STF, nem as contribuições têm natureza tributária, não se encaixa nem no art. 70 nem no 71-II da CF.”
Transparência
O primeiro argumento da Ordem rebatido pelo ministro Bruno Dantas, relator, foi o de que haveria coisa julgada com relação à questão da submissão das contas, seja por julgado do próprio TCU, seja por decisão do Supremo.
A polêmica questão de fiscalização da Ordem já tinha sido debatida no Tribunal nos idos de 2003. Na ocasião, o ministro Walton Alencar Rodrigues asseverou que a Ordem ostenta natureza autárquica, por desempenhar serviço público, a exemplo de todos os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas. O ministro afirmou que não se tratava de interferência na atividade fim do órgão, mas sim fiscalização financeiro-orçamentária da entidade. Assim, defendeu que a sujeição da OAB ao dever de prestar contas decorre de sua específica natureza de autarquia.
O voto ocorreu na representação 1.765/03, que tinha como relator Augusto Sherman. Tanto o relator, como Walton Alencar Rodrigues e Humberto Souto votaram no sentido de que o Conselho Federal da OAB e suas seccionais estão obrigados a prestar contas ao TCU. No entanto, os ministros Ubiratan Aguiar, Lincoln Magalhães da Rocha, Guilherme Palmeira, Adylson Mota e Marcos Vilaça divergiram e o que ficou decidido, à época, é que a OAB não estava obrigada a prestar contas ao referido Tribunal.
Agora, ao tratar do tema, o ministro Bruno Dantas asseverou que no decorrer dos anos houve mudança no arcabouço jurídico.
“A coisa julgada protegida pela Carta Magna é atributo de decisões judiciais. Na relação administrativa, a relação é bilateral e o Estado é parte.Seu objetivo maior é exercer o poder que lhe foi conferido pela sociedade para alcance do bem comum. O TCU por sua natureza híbrida às vezes exerce atos típicos da função administrativa e outras vezes atos assemelhados à função jurisdicional.
No caso dos autos, o ato de decidir quem deve prestar contas é tipicamente administrativo, que o TCU estabelece como ele próprio deve exercer a competência que lhe é atribuída pelos artigos 70 e 71 da Constituição. Não vejo como poderíamos falar em coisa julgada neste caso.”
Dantas foi enfático ao defender que a CF/88 definiu claramente a natureza de tributo das contribuições compulsórias cobradas pelos conselhos profissionais.
Acerca do precedente do STF citado da tribuna (ADIn 3.026), Dantas disse que este não tratou do dever de prestar contas da OAB perante o TCU. Narrou o relator que o pedido da ADIn 3.026 estava circunscrito a declarar ou não a inconstitucionalidade do art. 79, § 1º, do Estatuto da OAB, ou interpretar ou não o caput deste artigo no sentido de exigir o concurso público para ingresso nos quadros da OAB.
“Sob a vigência da CF/88, ainda não houve pronunciamento do STF sobre a submissão da OAB ao TCU. O Supremo nunca apreciou esta questão. O que restou deliberado, portanto, foi que o art. 79, § 1º, Lei 8.906/1994, não era inconstitucional, e que o seu caput não estabelecia a exigência de serviço público para ingresso nos quadros da OAB. Toda a fundamentação construída na citada ação foi dirigida ao pedido, logo os argumentos utilizados na ADI 3.026/DF não podem ser transportados para uma segunda causa absolutamente distinta.
Não se pode juntar argumentos esparsos para tentar ampliar a eficácia de um julgado ao arrepio da lei, pois isso significa usar palavras soltas sem saber os contextos em que foram usadas.”
Em seguida, o ministro passou a tratar da questão relativa ao pertencimento da OAB à Administração Pública indireta. “A OAB integra sim a Administração Pública indireta”, concluiu o relator.
"Não há como se afastar a assertiva de que a OAB desempenha atividade típica da Administração Pública. A atividade de fiscalização é, por essência, uma atividade de Estado, pois interfere diretamente na liberdade individual. É reflexo do poder soberano da sociedade em relação ao indivíduo que, por esse motivo, só pode ser exercido pelo Estado, de forma direta (Administração Pública Direta) ou indireta (Administração Pública Indireta). (...) considero indubitável a natureza autárquica da Ordem dos Advogados do Brasil."
No voto, o ministro fez menção aos arts. 70 e 71 da CF, ao art. 4º do decreto-lei 200/1967 e até à disciplina do próprio Estatuto da OAB, que diz que a Ordem é serviço público.
Já com relação à natureza pública dos recursos geridos pela OAB, Dantas foi categórico no sentido de que a CF entende-as como tributo.
“Em que se difere a valorosa categoria dos advogados da também valorosa categoria dos médicos, dos dentistas, dos engenheiros, dos arquitetos, dos psicólogos? Eu concluo que a OAB se submete sim à jurisdição do TCU e portanto deve ser incluída como unidade de prestação de contas.”
O ministro Bruno Dantas lembrou que atualmente sujeitam-se ao controle do TCU mais de 550 conselhos de fiscalização do exercício profissional, os quais, somados, gerem recursos da ordem de R$ 3,3 bilhões anuais - o Observatório Nacional da Advocacia estima que a OAB arrecada algo em torno de R$1,3 bilhão com anuidades e o exame de Ordem.
“Embora a entidade já tenha alegado ser controlada internamente, são ainda opacas as informações prestadas ao público e a seus contribuintes. A tentativa de levantar qual o valor gerido anualmente pelas entidades que compõem a Ordem é bastante infrutífera.”
Bruno Dantas mencionou pesquisas realizadas por Migalhas que apontam para a estimativa de R$ 600 mi o valor arrecadado com anuidades anualmente.
“A natureza de autarquia e o regime público e compulsório dos tributos que arrecada sugerem que a OAB, como qualquer conselho profissional, deva estar sujeito aos controles públicos.”
Conforme o ministro, não há nada que distinga a Ordem, nestes aspectos, dos demais conselhos profissionais, e firmar o entendimento de que a OAB deve prestar contas ao Tribunal é uma decisão que homenageia o princípio da isonomia.
“Num momento em que o Estado vem reforçando e exigindo transparência e regras de compliance até mesmo para as pessoas jurídicas privadas que com ele se relacionam, não é razoável querer justificar validamente que a OAB possa ser a única instituição infensa a controle.”
Decisão unânime
O próximo a votar foi o ministro Walton, que além de tecer vários elogios ao voto do relator Dantas, afirmou que a decisão do TCU vinha tarde:
"Uma instituição que arrecada verbas de caráter tributário, recursos públicos de advogados, autarquia coporativa ou corporativista que não presta contas. Imaginem R$ 1,5 bi aplicados em finalidade antidemocrática? Não temos ideia para onde está indo o dinheiro, nem os advogados têm. Tenho plena convicção da decisão que o Tribunal está tomando."
O ministro Vital do Rêgo narrou que no primeiro momento teve dúvidas de que pudesse o Tribunal adotar entendimento diferente ao que adotado pelo STF na ADIn 3.026: "A discussão não é simples e não encontra consenso nem mesmo no âmbito do Poder Judiciário." Contudo, após ler e ouvir o "consistente voto proferido pelo ministro Bruno Dantas", Vital acompanhou o relator. O ministro sugeriu que o entendimento firmado seja modulado, sendo aplicado aos atos de gestão praticados pela entidade a partir de 2020: "Com isso a OAB poderia se adaptar à nova exigência no ano de 2019. E nesse tempo o STF poderia se manifestar sobre o tema."
O ministro Augusto Nardes disse que o entendimento do relator significa um "respeito à própria OAB": "Os próprios advogados do Brasil gostariam de ter esta transparência. Vejo como aspecto extremamente positivo da evolução da sociedade brasileira. São 1 milhão e 100 mil advogados no Brasil. Ou seja, é necessária essa transparência. Fará bem à OAB e ao Brasil. É um reconhecimento que temos hoje e um respeito à liderança que a OAB exerce no Brasil. É uma forma de demonstrar para a sociedade que não há o que se esconder." O ministro José Múcio Monteiro, além de acompanhar o relator, acompanhou a proposta do ministro Vital no sentido de modular a decisão.
Acolhendo a sugestão de modulação, e lembrando o importante voto do ministro Walton Alencar Rodrigues que inaugurou o tema, Bruno Dantas finalizou afirmando:
"Queremos apoiar a OAB para que se mantenha sendo uma instituição republicana admirada por todos os brasileiros. A OAB tem atribuição de indicar advogados para o Quinto constitucional. Portanto o interesse relacionado a como a OAB investe recursos não é só dos advogados, é de toda a sociedade. O interesse de acompanhar a OAB, diferentemente dos outros conselhos, é de toda a sociedade brasileira."
Resposta da OAB
O presidente do Conselho Federal, Claudio Lamachia, divulgou nota defendendo que "a decisão do TCU não possui validade constitucional". Veja abaixo:
“A decisão administrativa do Tribunal de Contas da União não se sobrepõe ao julgamento do Supremo Tribunal Federal. Na ADI 3026/DF, o plenário do STF afirmou que a Ordem dos Advogados do Brasil não integra a administração pública nem se sujeita ao controle dela, não estando, portanto, obrigada a ser submetida ao TCU.
A OAB concorda com a posição do Ministério Público junto ao TCU, para quem uma eventual decisão do órgão de contas no sentido de rever a matéria significa o descumprimento do julgado do STF.
A OAB, que não é órgão público, já investe recursos próprios em auditoria, controle e fiscalização, sendo juridicamente incompatível gastar recursos públicos, hoje tão escassos, para essa finalidade. A decisão do TCU não cassa decisão do STF, logo não possui validade constitucional.”
CLAUDIO LAMACHIA, presidente nacional da OAB"
- Processo: TC 015.720/2018-7
Fonte: Migalhas
Nenhum comentário:
Postar um comentário