segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Padre indenizará casal por impedir aborto de feto sem chances de vida


Um padre do interior de Goiás terá de indenizar um casal após impedir uma interrupção de gestação que tinha sido autorizada pela Justiça. Pelo "intenso dano moral", a indenização foi fixada em R$ 60 mil. A decisão unânime é da 3ª turma do STJ.
O padre impetrou HC e conseguiu impedir que uma mulher grávida levasse adiante, com auxílio médico, a interrupção da gravidez de feto diagnosticado com síndrome de body stalk, que inviabiliza a vida fora do útero. No HC impetrado em favor do feto, o padre afirmou que os pais iriam praticar um homicídio.
Acompanhando o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, a 3ª turma entendeu que o padre abusou do direito de ação e violou direitos da gestante e de seu marido, provocando-lhes sofrimento inútil.
Procedimento interrompido
O caso aconteceu em 2005. Ao saber que o feto não sobreviveria ao parto, os pais, residentes na cidade de Morrinhos, a 128 quilômetros de Goiânia, conseguiram autorização judicial para interromper a gravidez. Mas, durante a internação hospitalar, a gestante, já tomando medicação para induzir o parto, foi surpreendida com a decisão do TJ/GO, que atendeu ao pedido do padre e determinou a interrupção do procedimento.
A grávida, com dilatação já iniciada, voltou para casa. Nos oitos dias que se seguiram, assistida só pelo marido, ela agonizou até a hora do parto, quando retornou ao hospital. O feto morreu logo após o nascimento. O casal ajuizou uma ação por danos morais contra o padre, que preside a Associação Pró-Vida de Anápolis. Não obtendo sucesso na Justiça de Goiás, recorreu ao STJ.
Jurisprudência
Em seu voto, Nancy Andrighi classificou de "aterrorizante" a sequência de eventos sofridos pelo casal.
"Esse exaustivo trabalho de parto, com todas as dores que lhe são inerentes, dão o tom, em cores fortíssimas, do intenso dano moral suportado, tanto pela recorrente como pelo marido."
A ministra afirmou que o caso deve ser considerado à luz do entendimento do STF na ADPF 54, julgada em abril de 2012, quando se afastou a possiblidade de criminalização da interrupção de gestação de anencéfalos.
"É inegável que ambas as condições, anencefalia e síndrome de body stalk, redundam, segundo o conhecimento médico atual, na inviabilidade da vida extrauterina."
Embora o julgamento da ADPF tenha sido posterior ao caso, a ministra assinalou que a orientação manifestada pelo STF não tem limites temporais, e já em 2005 era a mais consentânea com as normas constitucionais, inclusive pela reafirmação do caráter laico do Estado brasileiro e pelo reconhecimento da primazia da dignidade da gestante em relação aos direitos de feto sem viabilidade de vida extrauterina.
Ônus da responsabilidade
A relatora avaliou ainda que o padre agiu "temerariamente" quando pediu a suspensão do procedimento médico de interrupção da gravidez, que já estava em curso, e impôs aos pais, "notadamente à mãe", sofrimento inócuo, "pois como se viu, os prognósticos de inviabilidade de vida extrauterina se confirmaram".
De acordo com a ministra, o padre "buscou a tutela estatal para defender suas particulares ideias sobre a interrupção da gestação” e, com sua atitude, “agrediu os direitos inatos da mãe e do pai", que contavam com a garantia legal de interromper a gestação.
Andrighi refutou ainda a ideia de que a responsabilidade não seria do padre, que apenas requereu o HC, mas, sim, do Estado, pois foi a Justiça que efetivamente proibiu a interrupção da gestação.
Segundo ela, "a busca do Poder Judiciário por uma tutela de urgência traz, para aquele que a maneja, o ônus da responsabilidade pelos danos que porventura a concessão do pleito venha a produzir, mormente quando ocorre hipótese de abuso de direito".
A turma condenou o padre ao pagamento de R$ 60 mil como compensação por danos morais, valor a ser acrescido de correção monetária e juros de mora a partir do dia em que a recorrente deixou o hospital.
Fonte: Migalhas




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