segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Médico condenado por imperícia é absolvido depois de 76 anos no Rio Grande do Sul


Um médico condenado por homicídio culposo foi absolvido depois de 76 anos pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O 2º Grupo Criminal concluiu que o médico, denunciado por imperícia, foi vítima de erro judicial. O colegiado baseou-se no artigo 621, inciso I, do Código de Processo Penal, que permite a revisão criminal quando a sentença de condenação contraria as evidências do processo.

Condenado em agosto de 1940 a dois meses de prisão por imperícia médica, o homem nem chegou a cumprir a pena: suicidou-se com um tiro na cabeça momentos antes de ser levado de sua residência à Casa de Correção de Porto Alegre pelo delegado de polícia encarregado do caso.



Segundo o processo, o suicídio foi causado pela dor da injustiça, pois ele não aceitou a decisão que o condenou pela morte de uma menina de nove anos, ocorrida cinco dia após ser submetida à cirurgia de apendicite. O perito judicial exumou o cadáver e concluiu que a morte foi causada por uma lesão na bexiga durante a cirurgia. A conclusão não considerou os relatos de que a menina, 15 dias antes da cirurgia, havia levado coice de um cavalo — o que explicaria a lesão.

A revisão criminal foi ajuizada pelo filho, hoje com 83 anos, na intenção de provar a inocência e a honra do pai. A peça revisional, assinada pelo advogado Rubens Ardenghi, foi baseada em dois laudos periciais.


Voto divergente


Apesar do relatório pela improcedência do pedido, o colegiado se alinhou ao voto do desembargador Diógenes Hassan Ribeiro, que abriu a divergência após o pedido de vista. Segundo o desembargador, o fato de, à época, não se ter o conhecimento de hoje não serve como justificativa para ignorar as considerações médicas dos dois laudos, que mostram equívocos no exame de exumação da vítima.

Segundo Hassan Ribeiro, a prova mais robusta para condenar o médico foi um auto-de-exumação segundo o qual a lesão encontrada na bexiga da vítima era suficiente para a explicar a causa-mortis, “sem maiores explicações técnicas ou detalhamento”.

Lembrou que a conclusão simplista foi contestada na ocasião por dois médicos que apontaram diversas irregularidades na perícia. “Desde a fase instrutória já havia questionamentos quanto à correção, completude e adequação da perícia realizada na vítima para os fins propostos. Esses questionamentos foram reforçados pelas perícias recentes”, apontou.

Todo este quadro de irregularidades, continuou o relator, leva à conclusão de que condenação, proferida em 1940, é contrária à evidência dos autos, já que o fato da acusação não estava comprovado. “O substrato probatório produzido nos autos à época dos fatos não poderia ensejar uma condenação criminal, perspectiva que é reforçada pela documentação técnica acostada que deve ser considerada, tendo em conta também a vigência do princípio de presunção de inocência”, observou.


Provas irrefutáveis


Ao julgar o pedido improcedente, o desembargador Ivan Leomar Bruxel entendeu que a revisão criminal não pode ser usada como segunda chance de apelação e não se presta para reapreciar provas já examinadas. Antes, é indispensável, disse, a demonstração de que o acusado é inocente, diante das novas provas descobertas, ou diante de eventuais nulidades processuais.

“É preciso destruir, desfazer, o fundamento da condenação. Deve ficar demonstrado, cabalmente, com evidência, que a sentença contrariou frontalmente prova dos autos. Não basta debilitar a prova, não basta gerar a dúvida’’, completou.

Bruxel afirmou não duvidar das conclusões dos laudos produzidos pelos peritos contratados pelo autor da revisional, mas ressaltou que os tempos são outros, que a ciência médica evoluiu. Ou seja, os conhecimentos médicos e os recursos tecnológicos se ampliaram, gerando novos entendimentos no assunto.

Assim, seria preciso voltar no tempo, para verificar se o atendimento médico foi prestado dentro do que era possível à época. E, também, conferir se naquele momento histórico a sentença e o julgamento da apelação foram produzidos com qualidade, levando em conta as provas.

Clique aqui para ler o acórdão.

Por Jomar Martins
Fonte: Conjur


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