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sexta-feira, 12 de abril de 2019

Governo federal divulgou projeto de lei para regulamentar a educação domiciliar


O projeto de lei do governo federal para regulamentar a educação domiciliar, anunciado na última quinta-feira (11) pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), representa um novo capítulo de um embate que já dura anos.

A proposta envolve, de um lado, um número fora das estatísticas oficiais de pais que querem a liberdade de educar seus filhos em casa e, de outro, regras estabelecidas há décadas pelo sistema educacional e defendidas pela maioria dos especialistas na área.

O texto do Executivo, que ainda precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional para sair do papel, é criticado e apoiado com base em alguns pontos centrais:

- Importância da escola como espaço de socialização;
- Qualidade do ensino domiciliar;
- Criação de mercado de material didático, videoaulas e tutores privados;
- Respeito à liberdade das famílias;
- Proteção das crianças vulneráveis.

    Para discutir o assunto, o G1 ouviu cinco especialistas:

    - Carlos Vinícius Reis, diretor-executivo da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned)
    - Roberto Catelli Junior, coordenador adjunto da ONG Ação Educativa
    - Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec)
    - Cesar Callegari, consultor educacional, ex-integrante do Conselho Nacional, ex-secretário de Educação Básica do MEC e de Educação do município de São Paulo
    - Telma Pileggi Vinha, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
      Os argumentos de quem é contra a aprovação do projeto variam desde a crítica por privar as crianças do espaço de socialização nas escolas até a abertura para empresários do ramo lucrarem com a contratação de tutores privados ou a venda materiais didáticos e videoaulas.

      A polêmica também passa pelos demais serviços prestados pelas escolas, que incluem a proteção das crianças e a articulação do atendimento com as áreas de saúde e assistência social.

      Quem defende a modalidade de ensino afirma que o projeto representa um avanço porque, pela primeira vez, um governo federal reconhece a liberdade das famílias que não querem os filhos nas escolas.

      No entanto, segundo defensores da proposta, o texto apresentado nesta quinta-feira ainda precisa passar por ajustes ao longo da tramitação na Câmara e no Senado. Entre os pontos apontados pela Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned) está a discussão sobre uma possível desburocratização das regras criadas pelo MMFDH.
      Qual é o público-alvo do projeto?

      Os atuais defensores da educação domiciliar representam uma minoria da comunidade escolar, que ao todo soma mais de 48 milhões de matrículas, segundo os dados do Censo Escolar 2018, divulgado em janeiro pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

      Segundo Carlos Vinícius Reis, da Aned, a estimativa é que atualmente 7,5 mil famílias brasileiras pratiquem a modalidade, atingindo cerca de 15 mil estudantes. Ele enfatiza, porém, que os números não são exatos porque não existe um cadastro nacional. "A gente não tem um rol de todas as famílias, porque muitas têm medo de se identificar por conta dessas restrições", afirmou ele ao G1.

      As restrições, de acordo com Reis, vão desde o preconceito sofrido pelas famílias até a ameaça de processo por descumprimento da legislação.

      Já entre as questões práticas na vida dos alunos, o diretor-executivo da Aned aponta que essas crianças e adolescentes ficam impedidos de participar de olimpíadas do conhecimento e só têm acesso a exames de certificação no último ano do ensino fundamental e do médio.

      O Brasil já tem crianças fora da escola hoje?

      Atualmente, é obrigatório que todas as crianças e os adolescentes de 4 a 17 anos estejam matriculados no ensino formal no Brasil. Na realidade, porém, a regra não é cumprida, e estima-se que o número de pessoas nessa faixa etária fora da escola chegue a cerca de 2 milhões.

      O motivo, no entanto, não é a educação domiciliar, segundo Anna Helena Altenfelder, do Cenpec. "Não é porque os pais optaram por homeschooling [termo em inglês usado para designar a educação domiciliar], mas porque essas crianças estão em situação de vulnerabilidade, têm alguma deficiência, condição de trabalho infantil, sofrem algum tipo de violência doméstica, estão em situação em extrema pobreza", explicou ela.

      Por isso, Anna Helena ressalta que atender às demandas dessas famílias que desejam que os filhos tenham o ensino formal em casa pode afetar a busca ativa pelas crianças atualmente excluídas de qualquer sistema educacional. Para ela, o tema não deveria ser a prioridade do governo federal, que precisa lidar com a evasão, a repetência, a alfabetização e a garantia de aprendizagem.

      "O projeto diz que, enquanto não tiver a plataforma, os pais podem escolher se vão deixar as crianças ou não na escola", destaca ela.
      O que diz a legislação vigente hoje?

      Atualmente a educação domiciliar é considerada ilegal no Brasil. A busca feita por algumas famílias para que a modalidade ganhe uma regulamentação específica já dura anos. A medida tem como objetivo deixar explícito esse direito.

      Carlos Vinícius, da Aned, diz que várias legislações, inclusive a Constituição Federal, já trazem trechos que podem ser considerados uma permissão para a prática. "A Constituição diz que a educação é 'dever do Estado e da família'. O próprio Código Civil fala no direcionamento de que os pais têm a primazia de escolher a forma de ensino dada aos filhos", explica.

      Em 2018, o caso foi parar no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Em setembro, a maioria dos ministros decidiu que a educação domiciliar exigiria a aprovação de uma lei específica que regulamentasse a avaliação do aprendizado e tratasse da socialização das crianças.

      É isso que o governo federal tenta fazer com o projeto anunciado nesta quinta. O texto altera as duas leis principais sobre crianças e adolescentes – a Lei de Diretrizes e Bases e o Estatuto da Criança e do Adolescente – para deixar claro que os pais têm a obrigação de matricular seus filhos na rede regular de ensino ou "declarar a opção pela educação domiciliar".

      A socialização está contemplada no projeto?

      O texto determina que "é dever dos pais ou dos responsáveis legais que optarem pela educação domiciliar assegurar a convivência familiar e comunitária", mas especialistas apontam que o projeto apresentado pelo governo não responde como vai garantir que a parte da socialização seja cumprida.

      Segundo Cesar Callegari, "a não ser em casos excepcionais já previstos nas normas nacionais em vigor, a educação domiciliar é prejudicial à formação integral das crianças e jovens".

      O consultor educacional diz, ainda, que a proposta "afronta um importante direito estabelecido pela recém-aprovada BNCC [a Base Nacional Comum Curricular]: 'exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação (...) com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e grupos sociais (...) sem preconceitos de qualquer natureza'".

      Telma Vinha, professora da Unicamp, ressalta ainda que a socialização em espaços como clubes e outros ambientes em que não há convivência contínua das crianças, inclusive locais sem a presença de adultos, não é suficiente para o desenvolvimento pleno dos indivíduos.

      "A convivência na família é estável", diz ela. "Se xingo meu irmão, ele vai continuar sendo meu irmão. Mas eu tenho que criar estratégias para manter o meu amigo, para resolver um conflito que vai continuar no dia seguinte. Se quero manter o colega, pertencer a tal grupo, não posso dizer qualquer coisa a qualquer hora."

      Por que o projeto não saiu do MEC?

      O projeto de lei foi escrito e apresentado no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, mas prevê que a maioria das ações do governo federal deverão ser realizadas pelo Ministério da Educação.

      A ministra Damares Alves, do MMFDH, afirma que o assunto é uma questão de direitos humanos.

      "Nós entendemos que é direito dos pais decidir sobre a educação dos seus filhos, é uma questão de direitos humanos. Então, a iniciativa sai deste ministério sob esta vertente. É uma questão de direitos humanos também", afirmou a ministra Damares em um comunicado divulgado pelo ministério.

      "Claro, em parceria e anuência com o Ministério da Educação, mas a iniciativa deste ministério é legítima", continuou a ministra.



      Fonte: Nação Jurídica 





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